quarta-feira, 5 de abril de 2006

Leituras

BBC | File-sharers face legal onslaught Ontem, com grande fanfarra, foram lançadas em Portugal as primeiras queixas-crime contra a partilha ilegal de ficheiros. Com a sua habitual competência, os media portugueses retrataram o download de música na internet como um crime da pior espécie, e veícularam a propaganda saída dos departamentos de relações públicas das editoras, que referem quebras macissas nas vendas de cds(atribuídas ao download e não à crise económica, que coloca a compra de cds em última prioridade para a maioria dos portugueses), envolvidas com diatribes sobre o fim dos músicos. A BBC é mais concisa e menos alarmista, colocando esta acção no contexto europeu - a medida legal foi tomada em vários países da união europeia, e esclarecendo que os visados nas queixas são os que fazem upload de ficheiros para partilha em redes de partilha de ficheiros (como a popular Kazaa).

É óbvio que a partilha ilegal de ficheiros é um crime. Isso não está em discussão, e mais do que tentar terminar com este fenómeno, o objectivo destes badalados processos é dissuadir a maioria dos utilizadores da internet de se sentirem tentados a sacar aquela música que está na moda do kazaa ou redes semelhantes. Também é bom que se persigam aqueles que colocam online quantidades industriais de música sem respeito pelos direitos de autor - não por causa das editoras de música, mas para assegurar a sobrevivência dos músicos, produtores de cultura. Mesmo assim, há nuances. O negócio das editoras não é a promoção cultural - percebe-se perfeitamente pela imensa quantidade de lixo aural que editam e que compõe a maior parte do bolo dos lucros que o negócio das editoras é simplesmente vender cds. Em Portugal, isso tornou-se ainda mais claro pelas declarações públicas dos reponsáveis. Pretendem eles que os melómanos que gostem de música online deixem as redes de partilha de ficheiros e se dediquem aos downloads pagos em lojas online. Tudo bem, só que não conheço serviços portugueses desse género... a menos que o objectivo seja o de engordar a conta bancária da Apple ou da Amazon... e os ofendidos responsáveis pelas editoras de musicais não aproveitaram o momento para inaugurarem lojas online.

Atribuir a quebra nas vendas ao download é uma perfeita falácia. Numa era de crise económica, há melhores destinos a dar ao pouco dinheiro que resta depois dos bancos nos sacarem aquilo que se lhes deve do que adquirir cds repletos do lixo cultural em que as editoras apostam. As próprias editoras, ao apostarem neste lixo através da tática da canção-sucesso que está contida num cd com mais dez canções perfeitamente inaudíveis, favorecem a busca de alternativas à audição clássica de música.

As alternativas ao download ilegal são o download legal e a partilha legal de ficheiros. O download legal sofre de problemas vários - desde o preço aos softwares de gestão de direitos de autor, que colocam restrições por vezes inimagináveis à audição dos ficheiros comprados. Tentem ouvir uma canção comprada no iTunes num leitor de mp3 que não um iPod, e percebem o que é que eu quero dizer. A partilha legal de ficheiros é feita em inúmeros sites de bandas que desejam promover o seu trabalho, bem como em blogs que retransmitem esses novos sons, e que libertam na internet ficheiros livres de direitos de autor. Essa alternativa esbarra nas editoras: ao ouvir uma ou duas canções de uma nova banda, procurar o cd nas lojas é uma tarefa impossível. O que as editoras querem mesmo é que continuemos a adquirir cds cheios de lixo aural produzido industrialmente com o único propósito de dar lucro.

A partilha de ficheiros na net sem respeito aos direitos de autor é um crime, crime económico que deve ser combatido. O negócio das editoras musicais é um crime, crime cultural que a internet se encarregará de combater.