Agora que se aproxima perigosamente o momento dos concursos de docentes, a minha mente rumina a sua indecisão: concorrer, ou não concorrer? Em princípio, eu não precisaria de concorrer - a minha posição como efectivo salvaguarda-me de instabilidades escolares. Por outro lado, alguns desenvolvimentos a médio prazo na localidade onde trabalho podem levar-me a ter de me desvincular da escola onde lecciono.
Isso é algo que eu não tenho grande vontade de fazer. Quando me descobri professor efectivo, e ainda por cima na Venda do Pinheiro, caiu-me tudo. Aliado ao facto inesperado de ter ficado efectivo, estava a incoerência de ter sido colocado ad eternum na escola do concelho de Mafra que mais detestava. Os meus primeiros momentos foram de angústia e irritação. Enquanto todos me davam os parabéns pela sorte decisiva da carreira docente, o entrar efectivo em quadro de escola, eu rangia os dentes e lamentava-me. Foi-me dito, por uma saudosa colega da escola da Ericeira, que o ter efectivado numa escola que detestava não era tanto uma tragédia, como um desafio. Há sempre que ver as coisas pelo seu lado positivo.
A verdade é que alguns meses passados a trabalhar naquela escola que tanto detestei, descobri que estava a gostar. Se a minha primeira passagem pela escola foi uma experiência angustiante e deprimente, esta minha nova experiência está a ser óptima. Áparte a tremenda chatice que é ter de percorrer a estrada entre a Ericeira e a Venda do Pinheiro, a verdade é que estou a gostar de trabalhar na escola da Venda do Pinheiro. Os alunos continuam a ser óptimos. Não são perfeitos, claro, e há sempre alguns problemas, mas nada comparado ao que suportei nas restantes escolas em que leccionei. O desafio com aqueles alunos é proporcionar experiências de aprendizagem, e aí eu estou a tentar todos os dias ultrapassar a normalidade lectiva. Já fiz experiências interessantes com os alunos, e planeio continuar a fazê-lo. Se nas outras escolas por onde passei era o mau comportamento e as dificuldades em fazer render o trabalho dos alunos o que me cansava ao fim do dia, nesta é o verdadeiro trabalho docente o que me cansa.
(Serei assim tão bom como me afirmo? Esse julgamento deixo-o ao cuidado dos meus pares. Eles, melhor do que eu, me saberão avaliar.)
Crucialmente, o factor decisivo para o meu gosto na escola da Venda do Pinheiro foi a extraordinária mudança de ambiente na escola. Na primeira vez que lá leccionei, o ambiente era opressor. Havia pouca alegria, e o ambiente geral da escola não me deixava nada à vontade. O alívio que sentia ao passar os portões da escola em direcção à rua era indescritível. O que me angustiava e irritava na minha colocação era precisamente a perspectiva de ter de suportar novamente esse ambiente.
Felizmente, as pessoas mudam e o ambiente também. Mudou, e mudou para muito melhor. Agora sinto-me bem ao passar os portões da escola para entrar. Como resultado, ando mais motivado, e com grande vontade de dar uma contribuição para a vida escolar que ultrapasse o leccionar de aulas. No natal já dei algumas, e esperava continuar. Agora, se tudo está assim tão bem, e com vontade da minha parte em melhorar, porquê querer sair?
A culpa é da economia. Este ano abriu na Venda do Pinheiro um colégio privado que recebe gratuitamente os alunos da vila. Não é exactamente gratuito - o estado paga ao colégio para receber os alunos da vila. Para os pais, é igual, com o prestígio adicional de os filhos andarem num colégio em vez de numa escola pública. Há aqui um estranho paradoxo económico num estado que paga a alunos para frequentarem uma escola privada numa vila que tem uma escola pública no seu centro. A abertura do colégio está a afectar a E. B. 2,3 da Venda do Pinheiro - os alunos que a frequentam estão a diminuir. Com a diminuição do número de alunos, há horários de docentes que se tornam supérfluos. Pelo que se prevê, dentro de dois anos um dos horários de EVT passará a horário zero. E é essa perspectiva que me leva a pensar em concorrer para outra escola. A perspectiva de me calhar esse horário assusta-me. Sei que não perco o vínculo à escola, mas a falta de turmas vai me levar a ter de desempenhar outro tipo de tarefas. A verdade é que me sinto a contribuir para a escola dando aulas, e não trabalhando no centro de recursos, ou a dar aulas de substituição. Se tirei um curso, foi para dar aulas de EVT, não para dinamizar bibliotecas ou cargos afins. E muito menos na altura da minha vida em que mais energia tenho para oferecer à escola.
Concorrer, para onde? Regressar a quadro de zona está fora de questão. Efectivar na escola mais próxima de casa também - o quadro está cheio. Arrisco-me, e aguento-me à bronca na escola a que eu já sinto que pertenço? A ver vamos.