terça-feira, 10 de janeiro de 2006

Rendez-Vous Com Rama



Wikipedia | Arthur C. Clarke
Wikipedia | Rendez-Vous With Rama
Edições Portuguesas de Arthur C. Clarke

Rendez-Vous Com Rama, de Arthur C. Clarke, Edições Europa-América, 1992

No ano de 2130, os radares da guarda espacial, uma força dedicada a patrulhar o sistema solar em busca de asteróides perigosos que poderiam potencialmente colidir com um dos vários planetas habitados do sistema solar, detectam um novo objecto a vaguear pelo espaço interplanetário. A princípio, a observação do novo asteróide não desperta temores. O objecto encontra-se numa órbita circum-solar, com poucos riscos de impacto sobre algum planeta. Mas uma observação mais detalhada traz uma revelação chocante: o objecto não é um asteróide, mas sim um gigantesco cilindro a viajar pelo espaço. Claramente, o objecto não é de origem terrestre, o que choca as populações dos Planetas Unidos. Após dois séculos de humanidade a espalhar-se resolutamente pelo sistema solar, chegara aquele momento tão temido como ansiado: o primeiro contacto com uma civilização alienígena.

A nave Endeavour, comandada pelo capitão Norton, é enviada para Rama com uma oportunindade única e curta de estudar o cilindro antes que a sua órbita o coloque fora do alcance da tecnologia das naves terrestres. Ao acostar a Rama, Norton e a sua tripulação vivem semanas de intensas descobertas, explorando intensamente o monumental artefacto alienígena e obtendo tantalizadores vislumbres das tecnologias alienígenas, sem que nunca se consiga descobrir quem realmente são estes alieníginas, nem quais as suas intenções. No final do livro, com a Endeavour já a alguma distância, Rama altera drásticamente a sua órbita, parece sugar energia ao sol, e ruma às estrelas, aparentemente na direcção da Grande Nuvem de Magalhães.

É assim este grande romance de Arthur C. Clarke, futurólogo incansável e autor de dezenas de livros em que romanceia, plausívelmente, sem violar as leis da física, o futuro da humanidade nas estrelas. Rendez-Vous Com Rama mostra Clarke no seu melhor. Perfeitamente capaz de intensos voos de imaginação, ao tentar imaginar o interior de Rama, que essencialmente é um gigantesco O'Neill que funciona como uma nave generacional. Dentro de Rama os tripulantes da Endeavour descobrem estranhos robots cuja função parece ser a de manterem o habitat em perfeitas condições. Mas nunca conseguem descobrir como são os Ramanos.

Esclarecimento rápido: um O'Neill é um tipo de estação espacial, um cilindro com quilómetros de diâmetro, com capacidade para gerar gravidade artificial e que poderia servir de habitat para dezenas de milhar de pessoas, proposto nos anos setenta por Gerard K. O'Neill em The High Frontier; uma nave generacional é uma forma de espalhar uma espécie pela galáxia sem ultrapassar a velocidade da luz. Numa nave generacional, os tripulantes que chegam ao destino final da nave (outros planetas noutras estrelas ou galáxias) são os tetranetos dos tripulantes originais.

Clarke descreve na perfeição o interior de Rama, e deixa-nos pistas tantalizantes sobre os ramanos, sem nunca cair no clássico erro da ficção científica - explicar tudo, mostrar tudo, e com isso deixar desvanecer a excitação e o mistério. No final do livro, em vez de optar por um encontro de civilizações, deixa os humanos perfeitamente frustrados com a indiferença de uma civilização superior que, no decurso de uma viagem intergaláctica, se depara com uma civilização espacial mas nem dá conta de que ela existe.

A prosa de Clarke começa a ficar um pouco datada. O tempo, o futuro com que Clarke tanto sonha, está a roubar intensidade às ideias imaginadas por Clarke. No fim de contas, estamos a chegar ao futuro, pelo menos às épocas futuras previstas por Clarke, e o mundo não é nada como o que se imaginava (uma sensação semelhante à que se tem após a leitura de alguma das obras mais futurógicas de Júlio Verne). Clarke, sendo um tecno-optimista, sempre descreveu futuros de uma perfeita utopia tecno-futurista. Os grandes problemas da humanidade tinham sido resolvidos através da combinação aplicada da tecnologia e da engenharia, e o que restava era o glorioso destino da humanidade nas estrelas, conseguido através de uma resoluta colonização espacial. Na prosa de Clarke não há lugar para a escuridão da alma humana. Todos os seus personagens são perfeitos técnicos, empenhados nas suas profissões, sem muitas dimensões humanas. Mesmo quando estas dimensões humanas são aprofundadas, e falo aqui de emoções como o ódio, o amor ou a venalidade, as personagens de Clarke continuam a ser optimistas que trabalham incansávelmente nas suas funções em direcção ao futuro.

Apesar de um pouco datado nesta era de Estações Espaciais Internacionais, robots a explorar Marte, lançamentos rotineiros de foguetões e ficção científica pós-cyperpunk que cruza um futuro genéticamente modificado com distopias cibernéticas, Rendez-Vous Com Rama é uma obra a ler, e a não esquecer. Porque o mundo de hoje não parece ter lugar para o optimismo.