terça-feira, 22 de novembro de 2005

The Shining



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The Shining
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The Shining Community - An in depth analysis of the film

A história é aparentemente a banal de um típico filme de terror. Jack Torrance, um ex-professor alcoólico com aspirações literárias, aceita um emprego como vigilante de um hotel isolado nas montanhas do Colorado. O emprego obriga-o a mudar-se, com a mulher e o filho, para o Overlook Hotel, situado no meio de uma paisagem assombrosa de vales e montanhas cobertas de neve. O isolamento de um inverno de tempestades de neve conjuga-se com o falhanço das aspirações literárias de Torrance, e este cai num profundo precipício mental, que o leva a tentar assassinar a mulher e o filho à machadada. Aqui, Torrance inspira-se no exemplo de um seu predecessor, que anos antes havia desmembrado a mulher e as filhas, empilhando os membros ensanguentados num quarto do hotel e, em seguida, rebentado os miolos com uma caçadeira.

Visto do ponto de vista de filme de terror, The Shining é uma história sobre um luxuoso hotel assombrado por acontecimentos indescritíveis que mancham a psique dos que o frequentam e enlouquece aqueles que lá vivem. Há no filme muitas pistas que apontam nesse sentido: o facto do hotel ter sido construído sobre um cemitério índio, as fabulosas cenas com as torrentes de sangue a escorrerem das portas do elevador, as assombrações que Danny, o filho de Torrance, pressente. Sob outro ponto de vista, o filme é uma história de decadência mental. Frustrado pela sua incapacidade em levar àvante as suas pretensões literárias, Torrance enlouquece, e tenta vingar-se daqueles que culpa interiormente pelo seu falhanço como escritor. Outro ponto de vista possível envolve a história americana e o genocídio das populações índias. Todo o filme é um contraste entre a cultura índia, que decora as paredes do hotel, e a barbárie representada pela loucura de Torrance. Em algumas das cenas mais violentas do filme, Wendy, a mulher de Torrance, está caracterizada quase como uma índia. Sendo um filme de Kubrick, esta míriade de pontos de vista não termina aqui: temos sempre a do filme como um labirinto mental, que espelha de forma distorçida a alma dos espectadores, mas que nunca deixa de ser uma fantasia. As pistas que apontam para este olhar prendem-se com incongruências que vão aparecendo ao longo do filme, incongruências que não se esperam de um grande mestre do cinema como Kubrick. No início do filme, na espantosa sequência de imagens aéreas, vê-se ao mesmo tempo que aparece o nome do realizador uma curta sombra - a do helicóptero utilizado para as filmagens; há personagens que mudam de nome durante o filme; o final do filme, com a fotografia de Torrance numa festa em 1921, é extremamente enigmático e não faz sentido, conjugado com a história que o filme conta; há uma grande prevalência de imagens espelhadas - cenas em que é filmado o reflexo nos espelhos, a simetria imperfeita das gémeas assassinadas que assombram as visões de Danny. E o pormenor do labirinto - o hotel é um labirinto, e o seu jardim é outro labirinto, que reflecte as convulsões mentais dos personagens e a multiplicidade de caminhos que levam a um mesmo destino. Outro pormenor curioso é a horizontalidade do filme - a câmara filma grandes espaços abertos, o hotel é composto por espaços muito amplos, a paisagem que se vê do lado de fora é ampla. No entanto, apesar de ser o contraponto da fotografia típica do filme de terror (que esconde o cenário, para nos assustar com revelações inesperadas), a fotografia de The Shining desperta-nos uma estranha sensação de claustrofobia.



O original de The Shining é o livro homónimo de Stephen King. O livro não é tão sofisticado como o filme - a história é a de uma clássica casa assombrada - o famoso Overlook Hotel, que aparece noutras instâncias da obra de King, que provoca uma loucura assassina na mente de Torrance. A adapatação de Kubrick desdenha grande parte da obra literária. As semelhanças são poucas, e os subtextos multiplicam-se. Na verdade, Stephen King veio a público rejeitar esta adaptação da sua obra, e anos depois autorizou a produção de um novo filme, que segue a obra literária mais à letra (e um filme tão mais entediante do que o The Shining de Kubrick).



The Shining seria impossível sem três factores: os cenários, os espantosos cenários da paisagem americana, ainda selvagem e indomada, capazes de tirar o fólego; a música, incongruentemente música de compositores contemporâneos como Béla Bártok ou Krysztof Penderecki, que associada às imagens aterrorizantes do filme ganha contornos arrepiantes; e as actuações de Shelley Duval, como a mulher fraca e violentada de Torrance que é forçada a confrontar os seus piores medos na defesa do seu filho, e a espantosa actuação de Jack Nicholson, que representa de um modo assombroso e inesquecível a descida de Torrance aos infernos da loucura. A imagem que nos fica do filme é a imagem das expressões faciais de Nicholson, um retrato de uma avassaladora loucura violenta.