terça-feira, 22 de novembro de 2005

O Estado da Inducação

Admito que adormeci ontem ao som do grande debate sobre o estado da educação em portugal, com a presença da ministra da educação como convidada especial - num convite que oscilava entre o bode expiatório e o bobo da corte. Adormeci por volta das aulas de substituição e acordei mesmo a tempo de ver as alegações finais do debate. Mesmo assim, apesar dos sonhos cor de rosa que perpassaram pelo meu cérebro cansado de professor no fim de um longo dia de trabalho (dia em que, modéstia à parte, consegui construir com miudos de quinto ano uma figura de presépio que, se colocada em pé, tem a altura média de um aluno), há alguns pormenores que me saltaram à vista (cansada, mas ainda funcional).

Em primeiro lugar, a incoerência verbal dos interlocutores. Quer os ex-ministros, quer quer os professores que falaram, quer os representantes dos sindicatos, quer os representantes dos encarregados de educação, quando falavam, punham a nú um curioso factor. Era complicado (íssimo, nalguns casos) perceber precisamente o que é que eles estavam a dizer. Do que é que eles estavam a falar. Maioritáriamente, repetiam chavões sindicalisto-pedagógicos entaramelados com réstias de pensamentos incoerentes. Não é que fossem incapazes de falar. Mas nunca se percebia onde queriam chegar, que conclusões a retirar das suas palavras. Em perfeito contraste, a ministra pareceu extremamente precisa nas suas palavras, falando com a tónica na certeza do que dizia e explicitando concretizações (heresia nº 1 deste post - um professor nunca deve falar bem da ministra). Mas na verdade, aqueles que me representam deixaram-me envergonhado.

Em segundo lugar, pergunto-me porque é que os debates sobre a educação se parecem centrar exclusivamente nas necessidades dos professores. Os professores isto, os professores aquilo... as boas práticas, o absentismo, a desilusão, a desmotivação, a dignificação da carreira e papel dos professores... enfim, toda a clássica retórica que se ouve em todos os cada vez mais acentuados protestos dos professores. Quem esteja de fora até pode pensar que o sistema educativo existe para servir as necessidades da classe docente... (heresia nº 2 deste post) ... quando claramente existe para servir os alunos. Não quero com isto dizer que não devemos lutar pela melhoria das condições de trabalho, pela nossa dignificação aos olhos da sociedade, por melhores salários. Mas separemos as àguas - tudo aquilo que justamente exigimos deverá ser a compensação pela nossa dedicação ao futuro das crianças (essa dedicação, apesar da má fama que temos, é o sentimento que prevalece na maioria dos docentes), não o motor de arranque para a nossa actividade. O mal, claro, estava em chamar ao debate um debate sobre a educação - que me pareceu ser aquilo de que menos se falou. Falou-se, sim, e muito, foi do descontentamento geral vivido pelos professores, e das medidas que visam modificar o sistema educativo tornando-o mais equiparado . Mas nem sequer os jornalistas parecem possuir a acuidade suficiente para separar os problemas dos professores dos problemas dos alunos.

(Felizmente ninguém na minha escola lê este blog. Senão, amanhã quando entrar na sala de professores serei trucidado e queimado na fogueira devido às minhas heresias. As mentalidades estão demasiado enraizadas, as ideias demasiado incrustadas no inconsciente colectivo da mente docente.)