Ainda sobre a belíssima reunião de ontem, um comentário sobre a nova filosofia estatal do contar tostões à custa dos que menos têm. Entre as muitas informações divulgadas, estava a de um ofício circular do ministério, a esclarecer alterações ao regime de faltas dos professores. Se um professor, ou outro funcionário público, faltar ao serviço para acompanhar um familiar ou um filho com mais de dez anos por motivos de saúde destes, essa falta é-lhe descontada do tempo de serviço para aposentação. A lógica perversa do ministério é esta: essa falta desconta no vencimento, logo esse dia não é descontado para a caixa geral de aposentações. Não sendo esse dia descontado, não conta para efeitos de reforma. Os professores que tomaram conhecimento disto devem ter pensado, intimamente, que é melhor os filhos adoecerem, ou os pais terem ataques cardíacos, avcs e outras tragédias do género, ao fim de semana ou durante as férias. Senão, perdem o ordenado e a reforma.
Não percebo a lógica desta medida. Se querem moralizar as faltas dos professores, é nos atestados médicos que devem investir. Mas o estado não está mínimamente preocupado com moralismos. Está é em busca de todas as medidas que lhe permitam poupar, literalmente, tostões, caindo em cima, mais uma vez, das classes médias.
Já que falo de dinheiro, ao consultar a agenda que o meu sindicato tão simpáticamente me forneceu (e que eu simpáticamente enviarei para o ponto de reciclagem, que isto quem tem palm não precisa de agendas) descobri que o índice 100, a base para cálculo dos vencimentos dos docentes, era em 2005 de oitocentos e quarenta euros - uma fortuna, que óbviamente suga o dinheiro dos cofres do estado. Mas esse índice é só para os docentes do básico, pré-escolar e secundário. Para os docentes do superior, o índice 100 tem o valor de mil e quinhentos euros.
Isso explica a proliferação de universidades e politécnicos pela província fora. Um mísero assistente ganha, em início de carreira, mais do que eu (que já tenho oito anos debaixo do coiro). Continuando as progressões, digamos que os valores ficam... interessantes. Agora compreendo as cáfilas de incompetentes que pululavam na ESE de Santarém (a minha alma mater) e que pululam aí pelos campos fora. Agora também compreendo perfeitamente o desfasamento entre alunos entrados nos cursos e o mercado de trabalho. E agora também compreendo a minha perfeita burrice: bastava-me tirar um mestradozito da treta, talvez em ciências da educação (a mais bizarra conjugação de palavras que conheço) e insistir na criação de uma universidade na Ericeira - pólo de desenvolvimento regional - para resolver os meus problemas financeiros, e poder assim adquirir aquele portátil que tanto quero ou um palm a sério, sem ter de deixar de comer para isso.
E já que ainda falo em dinheiro, deixem-me dizer que isto dos vinte e dos trinta anos são uma boa treta de idades. Temos a vontade de fazer toneladas de coisas - o bom carro, a boa casa, as viagens, os bons vinhos, os bons restaurantes - mas não temos dinheiro para o estilo de vida que ambicionamos. Cá por mim, vou ser paciente, aguardar pelos cinquenta e gozar a minha crise de meia idade. Aos cinquenta terei certamente trocos suficientes na carteira para o descapotável vermelho, os tratamentos de beleza e a namorada loira pós-adolescente. Isto, claro, se seguir os exemplos dos cinquentões que se vêem por aí...