quarta-feira, 7 de setembro de 2005

A Vida Imita A Arte



J. G. Ballard | Highrise
J. G. Ballard | The Drowned World
Night of the Living Dead
Dawn of the Dead
The Crazies

A razão pela qual a devastação de Nova Orleães me fascina tem a ver com a intersecção entre a realidade e a ficção, ou, como se costuma dizer, quando a vida imita a arte. Dois livros de J. G. Ballard, The Drowned World e Highrise, e os filmes clássicos de George Romero pareciam predizer tudo aquilo que temos vindo a ver nos escrãs de televisão sobre a espiral de caos e violência que parece reinar naquela que foi uma cidade perfeitamente normal antes de ser atingida pelo furacão.

The Drowned World é um dos clássicos romances-catástrofe de Ballard, em que ele explora as interrelações entre seres obsessivos perdidos numa paisagem surreal pós apocalítica. O apocalipse em questão foi a inundação das cidades costeiras, e os conflitos humanos que degeneram em violência desenrolam-se numa paisagem pantanosa de edifícios semi-submersos cobertos de vegetação verdejante, descritos com a habitual clareza cristalina surreal de Ballard. Ao ver as alucinantes imagens de uma Nova Orleães coberta de àgua, as imagens de ruas submersas e vias rápidas que terminam em pântanos, a imagética descrita por Ballard em The Drowned World veio à minha mente com uma clareza dolorosa.

Em Highrise, outro dos romances-catástrofe de Ballard, as coisas correm horrivelmente mal num condomínio. Num grande bloco de apartamentos, as pequenas rivalidades entre vizinhos, os desníveis económicos entre os mais ricos habitantes dos apartamentos do topo e os habitantes dos apartamentos mais baixos resolvem-se numa guerra violenta em que os habitantes dos vários andares se unem em tribos, lutando entre si pela hegemonia e controlo total de um bloco de apartamentos completamente isolado do resto do mundo. A ligação que faço não tem a ver com as pilhagens e desordem social (para isso, vou a Romero). Fiquei surpreendido ao ler a notícia que deixei aqui no blog, sobre como os habitantes dos bairros de Nova Orleães se uniram em "tribos" para sobreviverem sem terem de abandonar os seus queridos bairros.

Nos clássicos filmes de Romero, quer aqueles sobre zombies, quer aqueles sobre pragas biológicas, uma catástrofe avassaladora devasta a sociedade humana. Em resposta ao colapso de governos e ordem social perante a pressão de zombies, ou em resposta à violência de um estado que tenta controlar uma praga libertada após um acidente com armas biológicas, os homens dos filmes de Romero reagem sempre da pior forma: organizam-se em bandos armados, aterrorizando violentamente todos aqueles que os rodeiam, quer monstros quer sobreviventes, pilhando e matando para sobreviver. Isto, é ficção, é história de filme. O que me parece grave, é ver notícias em tudo iguais a estas estórias em qualquer reportagem televisiva sobre Nova Orleães, com relatos aterradores de pilhagens, violações, assassínios e polícias e militares de armas em punho a patrulhar as ruas inundadas.

Se a vida imita a arte, é porque os artistas conhecem demasiado bem as profundezas da alma humana para se deixarem enganar por ideiais de felicidade utópica.