domingo, 17 de julho de 2005

Kill Surf City

Wikipedia Pt | Franz Joseph Haydn
The Jesus and Mary Chain | Kill Surf City
The Jesus and Mary Chain

Caríssimo blog:

A noite tem destas coisas. Na eterna busca do local perfeito, da mistura exacta de bom ambiente e preços baixos, do sítio mais apropriado para beber um copo tranquilo com os amigos, acontecem acidentes de percurso. Foi assim que ontem dei por mim num locar perfeitamente dessincronizado com os fluxos cósmicos.

Chegar lá é fácil. Vai-se até S. Lourenço, com algum cuidado que de noite as curvas são traiçoeiras e as noites andam escuras. À saída de S. Lourenço, vira-se para os Casais de S. Lourenço, vira-se na primeira à direita e entra-se numa vivenda. Bem vindo aos Surfistas. Se se tiver sorte e a noite estiver animada, já pelas janelas do piso térreo se vê o jogo de luzes a revoar pela pista de dança, num refugo nostálgico da onda disco dos anos 70. Espera-se que o proprietário invista numa daquelas bolas espelhadas, para acentuar o efeito revivalista. Das janelas abertas dos pisos do rés-do-chão, antigas salinhas de estar, cozinhas, garagens, ou, talvez, cavalariças, ouve-se o som que o DJ de serviço põe a rodar, uma mistura de grandes sucessos ao melhor estilo ibiza summer festival (o que quer que seja que isso é) com o som das favelas de Lisboa, os melhores sucessos das grandes estrelas de kuduro da Cova da Moura e arredores.

Ao entrar deparamos com a versão século XXI da clássica tasca portuguesa, daquelas em que se pode cuspir para o chão. Os bancos corridos de madeira e as mesas de mármore foram substituídas por mesinhas de café, e por detrás do balcão as pipas de vinho carrascão foram substituídas por prateleiras cheias de garrafas de alcool mais nobre, mas o espírito mantém-se o mesmo. Temos aqui o clássico café da aldeia, cujo mais proeminente elemento decorativo são os poeirentos estandartes dos clubes de futebol, resquícios de jogos renhidamente disputados entre o fumo do tabaco e a frescura da cerveja que escorria pelas gargantas enrouquecidas pelos grunhidos de apoio ao clube.

Uma rápida exploração permite descobrir a sala disco, o espaço de música ao vivo, completo com um acordeão previdentemente guardado perto do microfone, o que nos permite perceber quais as bandas que fazem sucesso naquelas paragens. O espaço interior é entrecortado por colunas e arcos abertos em sítios onde outroura haviam paredes. Uma rede de vime disfarça mal a azulejaria tipo casa de banho, e à escolha temos sofás que não passam de estruturas metálicas cobertas de esponja e banquinhos que pelo seu tamanho não estariam nada deslocados dentro de uma sala de jardim infantil.

Se nos cansarmos de pular, digo, dançar os belos sons debitados pelo DJ, podemos sempre passar à sala de jogos, dominada por uma mesa de snooker onde as bolas curvam após a tacada (isto sou eu a disfarçar a minha azelhice inata ao jogo das tacadas e dos ângulos).

Caríssimo blog, seja bem vindo ao país real. Seja bem vindo aos espaços culturais e de lazer da outra metade do país. À terra do povão.

Os bons ambientes são feitos por quem os frequenta. E, para beber um copo com os amigos, descontraídamente, como convém nestes meses quentes de férias tranquilas, tanto serve uma tasca como o supra-sumo dos bares. Caríssimo blog, também não posso esquecer a generosidade do patrão da casa, que nos ofereceu uma imperialzinha, e ainda não o descobriu.

O surfista. Deixo-vos com as imortais palavras da canção Kill Surf City dos The Jesus and Mary Chain.

I'm gonna kill surf city, got to get me a gun
Got to fry surf city with a nuclear bomb
Got to get them all day


Esta noite, para purgar dizértes e ibiza summer festivals, sinfonias corais de Joseph Haydn na Basílica de Mafra. Hoje sim, será a sério.