quinta-feira, 21 de julho de 2005

Adrian Tomine



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Estava aqui à dias a vasculhar uma prateleira esquecida na Fnac de Cascais quando deparei com uma verdadeira preciosidade: um livrinho intitulado Les Yeux à Vif, escrito e desenhado por Adrian Tomine. O nome do autor não me era desconhecido, apesar de nada saber sobre ele. A minha primeira referência a Tomine surgiu em conversa com um daqueles amigos a quem se perde o rasto e o contacto. E até há poucos dias, nunca tinha lido nada de Tomine.

Pelo que consegui descobrir através do google, Tomine é um criador de Banda Desenhada Underground que publica o seu comic, Optic Nerve, e já apresenta algumas colecções publicadas. As suas histórias também serviram de base a uma peça de teatro. Tomine foi um criador precoce - as suas primeiras edições, fotocopiadas, foram publicadas ainda ele era estudante num liceu. E, apesar de criador de B.D., Tomine concluiu um curso de literatura.

As histórias de Tomine são fascinantes. Histórias curtas, desenhadas com um traço limpo e sincrético, que se concentra no essencial da vinheta sem se abrir em quadros de grandes pormentores detalhados. Esta é uma característica visual que Tomine partilha com a melhor B.D. underground que conheço, com um estilo visual limpo, pouco elaborado, que se concentra mais nas emoções que transmite do que na espectacularidade da vinheta de B.D.. Com características semelhantes, lembro-me de Daniel Clowes, autor de Ghost World, publicado pela Devir com o título Mundo Fantasma, e provávelmente impossível de encontrar nas livrarias, e de Jar of Fools, uma apaixonante obra de Jason Lutes, que não perdia nada se fosse traduzida e publicada em portugal.

Tomine enquadra-se num estilo de B.D. que se concentra nos pequenos nadas carregados de emoção do nosso dia a dia. Aqueles pequenos gestos que nos fazem para um bocadinho, os rostos que passam por nós e nos despertam a atenção, aqueles segundos que paramos dentro do carro depois de o estacionar e antes de abrir a porta e regressar às ameaças do mundo, aqueles momentos de puro silêncio quando se desperta a horas desumanas e nos levantamos, sós na noite, iluminados pelas luzes frias das cozinhas, somente nós e a escuridão, os momentos de silêncio impregnados de simbolismo entre conversas animadas, a nossa triste e inócua hipocrisia do dia a dia quando nos relacionamos com os que nos rodeiam. Aqueles pequenos gestos de hipocrisia, como não declarar quando recebemos mais troco do que aquele que nos é devido, aqueles cinco minutos que roubamos ao início das aulas, as acelarações desnecessárias e as apitadelas por despeito de que todos somos culpados quando conduzimos.



Tomine fascinou-me pelas pequenas histórias inspiradas nos pequenos nadas do dia a dia, como a das recordações de antigos almoços, em que uma mulher idosa prepara uma sandes e come-a dentro do carro do marido, recordando aqueles pequenos momentos em que, quando jovem, as suas colegas de trabalho a invejavam por ela ter alguém que a vinha buscar para almoçar, naquele mesmo carro em que ela agora come a sua sandes em silêncio. Nós não sabemos se o marido morreu, ou se é mesmo marido, ou se seria apenas namorado ou amante. Tudo o que sabemos é que esta mulher, no ocaso da sua vida, come uma sandes num carro velho, recordando momentos passados. Nós, leitores, somos obrigados a imaginar para completar o que falta à história, para podermos lê-la e, satisfeitos, tirar conclusões. Mas tal como é, a história é perfeita, enredando-nos num momento da vida. Tomine aposta na beleza inefável do inacabado (ok, já estou a usar palavras caras e adjectivos farsolas, significa que está na hora da pausa para um cházinho).

Noutra história, Tomine conta-nos as aventuras de um rapaz que se vê obrigado a procurar um emprego de verão. Apesar de perfeitamente normal, fundamentalmente bom, no emprego o rapaz revela-se totalmente hipócrita, sorrindo e falando como amigo aos colegas de trabalho que intimamente despreza, roubando materais da loja onde trabalha, e aproveitando as entregas que faz para ficar em casa dos amigos, telefonando ao patrão a dizer-lhe que se atrasou na entrega porque apanhou engarrafamentos.

Um homem perde o avião por causa de atrasos no trânsito. Perante a perspectiva de passar a noite no aeroporto, decide regressar a casa, mas ao chegar à porta volta atrás, pois iria assustar o companheiro de apartamento. Dirige-se a casa da namorada, mas ao chegar à porta volta atrás, pois não quer voltar a despedir-se dela, e ainda está indeciso sobre se a ama realmente. Decide ir ter com amigos, mas muda de ideias, pois não quer repetir todos os rituais da despedida. Acaba por passar a noite num hotel.

Mas a mais brutal das histórias de Tomine passa-se num apartamento, onde um casal se diverte a ver, pela janela, os actos sexuais dos vizinhos da frente. A história termina numa nota triste, com o homem, acometido por medo e vergonha, abraçado à mulher que, minutos antes, tinha ido buscar uns vodkas para saborear com o espectáculo das vidas alheias.

Pequenas hipocrisias, recordações momentâneas, medos injustificados, ideias paralisantes, obsessões minuciosas. É a vida, não a vida das grandes ideias da grande literatura, mas a vida do quotidiano, dos detalhes do quotidiano, que desfila nas páginas de Tomine. Só me resta que a Devir, ou qualquer outra editora sobrevivente do boom de 2002 (ano em que surgiram quase uma dezena de editoras de B.D. cá pelo nosso portugal dos iletrados), se lembre de editar as obras primas de Adrian Tomine.