terça-feira, 5 de agosto de 2025

Spitfires e Hurricanes em Portugal


Mário Lopes (1994). Spitfires e Hurricanes em Portugal. Lisboa: Dinalivro.

Uma história necessariamente técnica, da introdução ao serviço português das duas mais icónicas aeronaves de combate dos anos 40. Mas que acaba por ser uma história, ou melhor, uma análise a um detalhe histórico, do envolvimento português na II Guerra Mundial. Uma neutralidade que pendia, apesar da ditadura de direita por cá reinante, para o lado inglês por razões históricas e tradicionais. Mas também uma neutralidade ameaçada, entre o medo que a Espanha franquista decidisse tornar Portugal em mais uma província espanhola (estando ou não ao lado do Eixo), e as claras pretensões americanas de ocuptar o arquipélago dos Açores, travadas pela diplomacia britânica. 

Embora o livro seja sobre aviação, a forma como Portugal obteve estas aeronaves mostra bem os jogos diplomáticos. O fortalecimento da aviação portuguesa com Spits e Hurricanes fez-se ao abrigo de acordos que expandiam a concessão de facilidades aos aliados, especialmente nos Açores, e foi constituído por aeronaves veteranas das campanhas aliadas em solo inglês e norte-africano. 

O livro também detalha outras situações, como o caso dos aviões internados e colocados ao nosso serviço. Por internados entenda-se aviadores que se viram forçados a aterrar num país neutral, sendo detidos e as suas aeronaves confiscadas, regras habituais nestas situações. No caso português há a notar um certo fechar de olhos ao destino dos pilotos, parece que ninguém se chateva muito se estes se conseguissem evadir e regressar às suas unidades, e alguns eram retirados de cá por ação diplomática. Parte dos aviões internados entrou nos inventários militares portugueses (o que explica a presença de P39 por cá), outros eram trocados por reforço de meios e peças sobressalentes para aeronaves já adquiridas.

Nisto dos internamentos, o autor detalha uma história particularmente rocambolesca envolvendo dois P-38 americanos forçados a aterrar em Lisboa durante voos de transferência para o Norte de África. O primeiro aterra por problemas de combustível, e o piloto, que não esperava ser internado, vê-se algo atónito com a reação portuguesa. Mas o seu avião desperta a curiosidade dos militares que o guardavam, e enquanto esperavam pelos agentes que iriam internar o piloto americano, um piloto português pede-lhe que mostre como é que o P-38 funciona. Estão a ver no que é que isto vai dar, não estão? O americano, supostamente detido, regressa ao cockpit e começa a ligar o avião, com o português empoleirado na asa a ver tudo. Entretando, nos céus aparece um outro P-38 também em apuros, o que distrai os guardas que no aeroporto de Lisboa vigiavam o primeiro P-38. O americano apercebe-se da distração e não perde a oportunidade: arranca o motor, abana o avião para o português cair da asa, e levanta voo, escapando-se ao internamento. O segundo piloto aterra, e vê-se rodeado por uma turma enfurecida, que o arranca do cockpit e o mete logo a ferros. Num daqueles pormenores tipicamente portugueses, este P-38 foi colocado ao serviço da aviação militar, mas sendo o únido do tipo e sem peças para o manter a voar, só servia para paradas militares e foi conhecido como o "avião dos generais", porque estes gostavam muito de o ver na pista quando visitavam o campo de Tancos.

Este detalhe da história portuguesa na II Guerra insere-se na génese da Força Aérea como ramo independente, e de certa forma mostra também o ocaso dos impérios europeus no mundo pós-guerra. Se durante a guerra o apoio e material militar britânicos são vistos como o desejável, no pós-guerra e entrada portuguesa na NATO o foco passa a ser decisivamente americano.