quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Nicole Shea: First Flight; Grounded; Sundowner.


Chris Claremont (1987). First Flight. Nova Iorque: ACE.

Reler o trabalho de Claremont nos X-Men recordou-me destes livros do mesmo autor, editados nos anos 80. É um artefacto típico da edição de FC de entretenimento da época, o princípio de uma trilogia onde acompanhamos as aventuras de uma personagem. Claremont mete-se na FC militarista, seguindo uma jovem aspirante a piloto na sua primeira missão espacial. E, claro, nada irá correr como esperado. O que supostamente seria uma missão de baixo risco aos limites do sistema solar, acaba por ser uma tremenda aventura com combates espaciais, vinganças tenazes e até um primeiro encontro com uma civilização alienígena. 

É um daqueles livros que durante uma boa porção nada parece acontecer, até explodir em ação frenética. Mostra bem as qualidades que fizeram de Claremont um argumentista marcante nos comics, a sua capacidade para crescendo de ação. Mas, também, mostra que ser bom a escrever comics não se traduz necessariamente em ser bom romancista. A narrativa é linear, e quem conhece o trabalho nos X-Men apanha durante a leitura muitos vícios linguísticos e narrativos. O livro diverte, de forma datada, mas não passa de um romance de qualidade média.


Chris Claremont (1991). Grounded. Nova Iorque: ACE.

Confesso que esta foi uma leitura penosa, mostrando que as qualidades de escrita num dado registo não se traduzem automaticamente para outro. Claremont era (e ainda é) um exímio argumentista de comics, mas em termos literários não se safa. Não é por acaso que só nos legou três livros. Este segundo mostra bem as suas falhas - uma narrativa cheia de enchimento, pouco interessante, incapacidade para dar dimensões às personagens, e uma história francamente desinteressante.

Na sequência das aventuras do primeiro livro, a piloto Shea vê-se relegada ao terreno, proibida de voar no espaço. Depressa perceberá que tal se deve a conspirações e riscos para a sua vida, numa teia complexa que procura abalar as relações entre humanos e a espécie de felinos alienígenas com que fizeram contacto e chega até a criar um atentado contra o presidente americano. Colocada na lendária base da área 51, Shea servirá de ligação a um grupo de alienígenas que auxilia no intercâmbio e transferências de tecnologia aeroespacial, testando novas aeronaves, e trabalhando diretamente com os dois filhos do milionário que conseguiu transformar a tecnologia de motores trans-lumínicos numa indústria que permite à humanidade ultrapassar os limites do sistema solar. Gerir estes dois herdeiros do império industrial tem os seus desafios. Um é um rapaz genial que procura validação constante mas na verdade está a trabalhar num intenso plano para assassinar o pai, que culminará numa tentativa de colisão com a estação orbital terrestre. A filha parece ser mais social e acessível, mas na verdade revela-se ser a génio do crime que montou a densa conspiração que dá o motivo ao primeiro livro da série, e se adensa agora com múltiplos atentados e ameaças diretas à vida de Shea.

O livro até tem umas ideias curiosas, como o navegar das dificuldades interculturais entre espécies e a ideia dos filhos do milionário serem clones mal sucedidos dele, mas isso não chega, toda a linha narrativa é bastante entediante.

(Uma nota: sendo um livro escrito nos anos 90, "milionário" é a epítome da riqueza. Hoje, seria "bilionário", e notem que isso não representa uma evolução e melhoria.)


Chris Claremont (1994). Sundowner. Nova Iorque: ACE.

Devo dizer que me sinto um tremendo masoquista por ter levado até ao fim a leitura desta trilogia. Há uma razão para Claremont não se ter tornado mais influente para além do seu trabalho como argumentista dos X-Men, e esta sua única trilogia mostra bem isso. Tal como nos outros dois volumes, só ganha ritmo perto do final do livro, com uma história que se arrasta, segundo caminhos paralelos menos interessantes. 

Neste terceiro volume, as desventuras da piloto Nicole Shea concluem de forma que se pretendia espetacular. Destilando a leitura, todos os ingredientes estão lá. A personagem regressa ao espaço, reencontra velhos companheiros, e vai testar um novo tipo de nave que cruza tecnologia terrestre com alienígena. Nesse processo, descobre que o primeiro contacto com os felinos alienígenas foi mais profundo do que se julgava, tendo sido infetada com um vírus cognitivo que lhe transmite a memória cultural da civilização alienígena, e vê-se numa situação em que ela própria se parece estar a metamorfosear em alienígena, em espírito, mas não em corpo. O que a leva ao planeta-mãe dos aliados alienígenas para se submeter aos seus ritos de passagem. E aí, acaba por ser ver no centro de uma conspiração que visa abalar a recém criada aliança entre a Terra e a civilização alienígena.

Apesar disto tudo, o livro não funciona, com a história a tornar-se confusa enquanto as personagems seguem  desvios narrativos. Sente-se ali muito enchimento de chouriço, com cenas que se arrastam em descrições desnecessariamente longas (especialmente em momentos de ação, o que faz sentido, dado que espremer ao máximo uma dada cena faz parte das regras dos comics comerciais). 

Demorei anos a fazer esta leitura - devo ter dado com a referência a estes livros nos anúncios das Asimov que lia nos anos 90, e agora que a fiz, em modo algo nostálgico, percebo que não perdi nada por não a ter lido mais cedo. Pelo contrário, porque depois deste lodaçal literário, a imagem que tenho do seu autor como um dos grandes argumentistas dos comics do final do século XX fica bastante beliscada.