terça-feira, 3 de junho de 2025

A Última Batalha


Cornelius Ryan (1989). A Última Batalha. Lisboa: Bertrand Editora.

De entre a vasta e crescente bibliografia sobre a II Guerra, destaco sempre os três livros seminais de Cornelius Ryan: O Dia Mais Longo, um dos melhores relatos do dia D que conheço; A Bridge Too Far, que detalha uma operação anglo-americana demasiado arriscadas para ocupar as pontes sobre o rio Arnhem; e este A Última Batalha. As obras de Ryan fazem-se com a visão de quem foi correspondente de guerra e esteve nos locais, nos tempos mais agudos. Mas também foram escritas com o distanciamento necessário para a análise histórica, de consulta documental, bem como o cruzamento de múltiplas fontes primárias, através de entrevistas aos sobreviventes destes momentos históricos. E nisto, Ryan atravessa todas as camadas, tanto inclui depoimentos de soldados e pessoas comuns, como de alguns dos comandantes militares ou personalidades com responsabilidade política. 

A Última Batalha detalha o Götterdämmerung que consumiu Hitler, com consequências devastadoras para os berlinenses. Trata-se da tomada de Berlim, essa espécie de holocausto que colocou um sangrento ponto final no regime, e na vertente europeia da guerra. Não é um livro cómodo, sabemos à partida que a causa está perdida, e só nos resta ver o acumular de más decisões que prolongam o inevitável, aumentando o derramamento de sangue. Um sacrifício final de um regime violento, que na sua fase terminal quis levar consigo o povo e o país (nisso, houve intervenientes mais sensatos que conseguiram evitar se não o pior, pelo menos a destruição total).

Esta cegueira passou-se a todos os níveis. Ryan detalha as decisões militares, entre o desesperto e o irrealismo, do alto comando alemão às ordens de um ditador acabado mas que, por despeito, queria levar tudo consigo, às ações de fanáticos que mesmo no desabar total, se batiam até à morte ou abatiam os inimigos do regime - e naquele momento, qualquer um podia ser visto como derrotista.

O livro é longo. O culminar detalha a queda de Berlim, a extrema violência de combates desesperados, o final do regime nazi, o sucídio de Hitler, a derrocada militar da Wermacht. Não esquece a vingança russa, traduzida em especial através de violência sexual sobre o corpo das mulheres alemãs. É um pormenor curioso do livro, que Ryan desvenda através dos relatos das sobreviventes, de um primeiro contacto com as linhas da frente soviéticas onde os civis, aterrados, se deparam com soldados corteses que os ajudam e tranquilizam, mas também os avisam que as próximas unidades já não lhes darão o mesmo tratamento.

Parte do livro é dedicado à questão de o que teria acontecido se tivessem sido as forças americanas e não soviéticas a capturar a capital. Certamente que com um desfecho melhor para os civis. Na verdade, seguindo um monumental trilho documental, Ryan demonstra que essa é uma questão difícil de colocar. Por um lado, porque a coesão entre os aliados ditava que iria pertencer à zona russa. Mas, nas alucinantes semanas do final da guerra, a rapidez do avanço americano era tal, que essa possibilidade se abria, à revelia da vontade política. Vontade esta que também não era muita, os gorvenos inglês e americano estavam bem cientes de que qualquer território libertado pelos soviéticos apenas trocaria uma ditadura por outra. Os acordos ditavam que seriam os exércitos de Estaline a conquistar a cidade, mas a realidade operacional do terreno encorajava os comandantes a tentar chegar lá antes dos soviéticos, com a cumplicidade tácita do SHAEF. Um ímpeto que a impossibilidade de atravessar o rio Elba travou, ao desgastar os corpos de exército ocidentais mais bem posicionados para atacar Berlim.

O destino da cidade ficou também traçado pela intensa rivalidade entre os dois comandantes supremos soviéticos, que Estaline manipulava com prazer. Konev e Zhukov levaram as suas forças numa corrida constante, atancando mesmo sem estar preparados, tentando cada um arrebatar o prémio da captura da cidade. Os caprichos de Estaline ditaram que o símbolo final, a captura do Reichstag, fosse para Zhukov mas no terreno, os defensores da cidade viram-se a braços com a avalanche dos dois exércitos em simultâneo.

Oitenta anos depois, esta história continua incómoda. Destaca-se, por um lado, as intensas manobras políticas que ditavam os movimentos militares (torna-se muito claro que a Guerra Fria já estava a decorrer, apesar da aliança entre americanos, ingleses e soviéticos). Revê-se o impressionante fanatismo do Reich, que não hesitava em consumir todo o seu povo no altar de uma ideologia hedionda. Mas o que fica da leitura é a visão do sofrimento daqueles que foram apanhados nesta armadilha, e nisto incluem-se os militares que tinham pela frente uma missão desesperada, que combatiam não pelo regime, mas pelo medo do que a derrota traria. Sobressai o sofrimento dos civis, amordaçados pelo regime ditatorial, enfrentando a vingança de soldados que lhes aplicavam exatamente o que os alemães tinha feito anos antes, na bárbara e violenta frente leste. Lê-se a derrocada total, o desperdício de vidas. 

Curiosamente, o livro termina com uma nota de esperança, ao listar todos aqueles que Ryan entrevistou para construir este retrato monumental. Nessa adenda, inclui as profissões que exerciam após a derrocada final, mostrando que a história não fica parada, e aos momentos mais negros pode seguir-se a reconstrução, se houver vontade para isso.