terça-feira, 13 de maio de 2025

Engrenagem


Soeiro Pereira Gomes (1975). Engrenagem. Lisboa: Edições Avante.

Daquelas narrativas murro no estômago, representativas do neorealismo português. Quando uma fábrica se instala numa aldeia, traz consigo a promessa da prosperidade. Promessa que depressa se torna engano, enquanto os aldeões perdem as suas terras por tuta e meia, se tornam operários miseravelmente pagos e a trabalhar além dos seus limites. Onde a cupidez de alguns lhes dá a vontade de se tornarem torcionários dos seus iguais. Onde os homens se acotovela na taberna durante a noite, e pela manhã mendigam tostões de trabalho aos capatazes. Com engenheiros que colocam a eficiência acima da segurança de trabalhadores que desprezam, e investidores que apenas querem retorno máximo e rápido sobre o investimento. 

A promessa de um futuro melhor, com a prosperidade trazida pela fábrica, vai-se desfazendo num crescente de amargura. Entre exploração laboral e as dinâmicas de uma pequena aldeia cujo modo de vida foi irremediavelmente alterado, onde até a poluição causada pelas operações fabris destrói o modo de viver dos agricultores resistentes. Resta o alcool, ou o esquecimento da morte para uns quantos cuja idade não lhes permite suportar o esforço do trabalho operário, enquanto os ventos do exterior condenam a fábrica à falência. No fim, restam edifícios fechados, uma aldeia quase abandonada, e vídas destruídas.

Fiel ao espírito ideológico, Soeiro Pereira Gomes traça um retrato realista e duro das relações pessoais e laborais no contexto dos anos 40 de um Portugal amordaçado, onde o capital põe e dispõe, auxiliado pelos pobres iludidos que acreditam que fazer a vontade dos patrões lhes abrirá as portas de um mundo que na verdade os descarta como meras ferramentas, e o povo é mantido num ciclo de empobrecimento constante. Obra forte, retrato de um passado que ainda hoje está demasiado presente.