quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Voo Nocturno


Antoine de Saint-Exupéry. Voo Nocturno. Lisboa: Livraria Bertrand.

A nu, a brutal dicotomia entre humanismo e progresso. Este romance clássico do escritor e aviador vai beber às suas experiências como piloto das linhas aeropostais, quando nos primórdios da aviação se arriscavam os primeiros voos de ligação em terras remotas, em condições que hoje considerariamos aterradoras.

No romance, acompanhamos um dedicado gestor de linhas aéreas, a braços com um dos seus piores pesadelos. O voo regular noturno entre duas cidades sul-americanas será interrompido por uma violenta tempestade, que provocará o desaparecimento dos pilotos. O gestor contacta freneticamente as estaçoes de rádio intermédias, procurando notícias, escunta com ansiedade as parcas comunicações que o radiotelegrafista a bordo do avião em risco de desaparecer envia. 

A tripulação do voo está condenada, apesar dos seus esforços em se manter no ar. A combinação da violenta tempestade com as certezas duras da duração do combustível ditam a sua sorte. Atravessam os céus sobre a floresta, sobre a tempestade, procurando manter-se vivos e chegar a um destino que se revela fatal. Em terra, sofre a jovem esposa do piloto, a sofrer as penas da dolorosa crueldade da aviação.

O destino é trágico, mas o progresso tem de continuar. Num momento negro, o gestor, homem implacável na forma minuciosa como trata os seus pilotos e mecânicos, não admitindo o mínimo erro ou compaixão por quem os comete, sabendo que os erros pagam-se com a vida, opta por não parar. As linhas continuam, os voos são retomados, mesmo os perigosos voos noturnos. Os pilotos aceitam a morte do camarada e saltam para o cockpit, dispostos a regressar aos ares.

Romance sobre o amor, mas também a dor, de voar, remete-nos para os tempos do pioneirismo da aviação, que de Saint-Exupéry fez parte. Não é difícil ler no retrato psicológico dos personagens do romance traços das suas experiências como piloto de correio. É particularmente incisivo no ponto de vista da solidão, quer a do piloto que voa pelos céus de paragens remotas, mas também a do gestor, que sabe que das suas ações dependem vidas, e não pode ser clemente com os que o rodeiam.