Charles Burns, Final Cut.
O traço de Charles Burns é extraordinário, num sempre muito bem conseguido limiar entre o real e o surreal, o que torna este livro um deleite visual. A história toca nas agruras da vida de jovens adultos, a navegar a descoberta da sua sexualidade enquanto procuram um lugar no mundo, e está centrada no imaginário de um jovem artista, propenso a crises psicológicas, que se apaixona por uma rapariga num amor que não será correspondido. O Final Cut do título corresponde ao cinema, entre as constantes referências à cinematografia fantástica de série B, o filme amador que o jovem e os seus amigos estão a rodar, e o filme que este monta na sua mente, onde irrealidade e surrealismo se mesclam com a confusão dos seus sentimentos.
Becky Cloonan, Tula Lotay, Somna.
Os sentimentos femininos de amor e desejo, em conflito com moralidade puritana e a superstição. A jovem esposa de um inspetor numa aldeia puritana é consumida por sonhos perversos e carnais. À sua volta, desenrola-se um drama com mulheres condenadas à fogueira por bruxaria, traições e assassínios, enquando a igreja faz sentir o seu poder com mão pesada. A jovem acabará por tornar-se uma vítima desta combinação de poder, obscurantismo e crime, numa viagem que terminará na fogueira. O argumento de Becky Cloonan faz-nos sentir o desespero da inadaptação a uma moralidade demasiado inflexível, e a ilustração de Tula Lotay oscila entre um duro realismo expressivo e alguns momentos de onirismo feérico.
Jim Starlin, Bill Reinhold, Silver Surfer: Homecoming.
Jim Starlin foi um dos grandes praticantes da space opera cósmica e psicadélica dos anos 70 nos comics, vertente que consegue manter viva quando escreve neste género. É sempre bom recordar que foi o culpado de The Infinity Gauntlet, um clássico dos anos 90 que se tornou a pedra chave do universo cinematográfico Marvel. Silver Surfer foi um dos personagens onde Starlin mais conseguiu estar à rédea solta nos seus deslumbres cósmicos, e este Homecoming não é exceção. Não faz por menos. Nesta aventura, o Surfista terá de investigar o desaparecimento do seu planeta natal, descobrindo que foi incorporado na imagem interior de um enorme cérebro que vaguiea pelo espaço, incorporando civilizações para lhes dar imortalidade como utopia virtual. Uma história com um final amargo, quando a interferência do herói que apenas deseja largar a realidade e juntar-se à utopia é rejeitada pela entidade cósmica, levando à dissolução da virtualidade. Este é daqueles comics dos anos 90 criados num claro espírito de "o que é que a equipe criativa andava a fumar", e ainda bem que assim foi.