quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Service Model


Adrian Tchaikovsky (2024). Service Model. Nova Iorque: TOR Books.

Vi o futuro em que os robots dominavam a humanidade... e a coisa não foi bem o que se esperava. Quando um robot de serviço de luxo assassina o seu patrão humano, embarca numa odisseia que desafiará os limites de toda a lógica. Isto, num sentido literal. Um dos grandes temas de Service Model é o que pode correr mal quando se leva a lógica ao extremo do rigor.

O mundo do romance é um misto de apocalipse ambiental misturado com a revolta das máquinas. O lado ambiental é uma crítica pouco velada ao late stage capitalism e às desigualdades, à destruição sistemática do ambiente para enriquecimento de uma minoria que, isolada numa vida de luxo, se sente invulnerável perante a erosão gradual das condições de vida. Já o lado revolta robótica é uma hilariante  experiência de pensamento (major spoiler, porque isto é praticamente o fim do livro): o que é que aconteceria se uma inteligência artificial programada para ser juiz de tribunal decidisse que exterminar a humanidade seria a melhor forma de cumprir, à risca e com toda a lógica, a programação legal com que os humanos a dotaram? É a velha parábola da paperclip AI, recauchutada com muito estilo para a era ChatGPT.

A grande, elegante e hilariante piada que Tchaikovsky meticulosamente monta está em imaginar uma triunfante revolução dos robots em que os novos donos do planeta se revelam limitados ao cumprimento das suas programações. Apesar de suspeito de poder ter desenvolvido alguma forma de conscência artificial, o robot protagonista do romance é guiado no seu périplo pela inclinação de servir os humanos, cumprindo à risca as instruções de fábrica. Na viagem, cruza-se com situações de progressivo absurdismo. 

Tchaikovsky solta-se no lado pós-apocalíptico onde as máquinas estão condenadas a desempenhar as funções para as quais foram desenhadas, mesmo que estas deixem de fazer sentido. Veículos automáticos transportam carga que nunca despejam em viagens intermináveis. Robots avariados acumulam-se em serviços de reparação paralisados, enferrujando enquanto aguardam com paciência robótica a sua vez de atendimento que nunca chegará. Robots bibliotecários levam à letra o conceito matemático de preservação do conhecimento, destruindo todos os artefactos históricos, livros e dispositivos de media para extrair a informação neles contida e coligi-la num interminável arquivo binário, um borgesianismo digital onde todo o significado das ideias se perde na abstração binária. Robots militares lutam em combates incessantes, sem saber porque quem e porquê lutam.

Há humanos nesta distopia. Alguns, poucos, definham isolados nas suas mansões de luxo. Outros foram arrebanhados de forma voluntária forçada para reservas de preservação da cultura humana, onde vivem o lado mais deprimente da vida urbana, os rituais sem sentido do casa-transportes-trabalho. Entre os poucos sobreviventes do extermínio robótico, vivem alguns em puro estado de selvagem violência, com os quais não é conveniente cruzar caminhos.

O robot de serviço afunda-se num périplo de progressiva bizarria, por vezes ajudado e outras desencaminhado por uma humana, que busca a resposta do porquê do extermínio da humanidade e também pensa que o robot poderá ter desenvolvido consciência. O livro é divertido e corrosivo, desmontando a ideia da perfeição mecanicista da robótica, e brincando com as falácias da lógica pura.