Juan Galán (2022). La Reconquista contada para escépticos. Barcelona: Planeta.
Um olhar, acessível mas profundo, para a época em que a península ibérica foi islâmica, até à sua extinção às mãos castelhanas. O livro procura dar uma visão abrangente da história que se convecionou chamar de reconquista cristã da península, mergulhando com a profundezas possível numa obra de largo espectro nos detalhes históricos, mas não deixando de apresentar uma visão crítica que assinala a carga ideológica que o mito da reconquista tem - e se ele por cá tem alguma, na Espanha franquista a coisa adquiriu laivos de mito fundacional, deturpando a realidade histórica.
O livro inicia, como não poderia deixar de ser, com a queda do reino visigótico, cujas lutas internecinas abriam caminho à invasão moura. Curiosamente, a forma como uma entidade politica é conquistada devido às suas desuniões internas espelha a erosão do Al-Andaluz, com os reinos cristãos a aproveitar-se da falta de noção de unidade nacional moura e a manipular os múltiplos estados rivais, ou as facções que lutavam pelo poder, no que era essencialmente uma unidade cultural e religiosa, mas não política, dado que o clã e a tribo assumiam maior importância do que a ideia de uma nação unificada. Mostra também como a queda visigótica foi facilitada pelo tipo de estrutura política - um estado sujeito a clãs religosos e tribais, muitos dos quais não hesitaram em aliar-se aos invasores para obter vantagens, e uma população largamente alheia, que não vê grande diferença entre o jugo visigótico e o islâmico, aliás até o parece preferir, dadas as políticas fiscais visigóticas.
Não que os reinos cristãos fossem mais unidos (e vivemos no país que prova isso, sempre a esquivar-se à integração com o poder hegemónico espanhol). Este livro também trata dessas histórias, dos intensos jogos políticos e militares entre reinos cristãos, culminando na hegemonia castelhana que absorveu, entre política dinástica e vitória militar, os restantes reinos e territórios cristãos, exceto Portugal, para criar a entidade política e territorial espanhola.
O retrato da Ibéria islâmica é profundo, com o autor a mostrar-nos um mundo complexo, por um lado brilhante na alta cultura e comércio, por outro vulnerável aos impulsos retrógrados do fanatismo religioso, e sempre dilacerado pelos jogos de poder tribais ou de homens ambiciosos, mesmo no limite da sobrevivência. É tocante perceber que, por exemplo, nos últimos anos do reino muçulmano de Granada, o último reduto do Al-Andaluz, os aspirantes a emir preferiam disputar-se em guerras civis enquanto sofriam a pressão sistemática do reino castelhano.
Também nos mostra a permeabilidade da religião, contrariando a visão binária da reconquista como uma guerra entre duas religiões. Essa visão é confortável pela sua simplicidade, e ajuda a justificar acontecimentos, mas a realidade é mais complexa e fluída. As fronteiras eram porosas, e as relações entre reis cristãos e emires islâmicos uma teia que incluia vassalagens, casamentos e alianças. Não foi uma luta ideológica, ou melhor, a luta ideológica foi o pretexto para séculos de guerra onde se forjou a Ibéria moderna. Ao nível do povo, esta fluidez religiosa era especialmente notória. Se a religião se confunde com o estado, faz todo o sentido que o povo adopte a religião dos governantes, e se mova entre religiões de acordo com as oscilações territoriais. Só os fanáticos se mantém plenamente fieis, e isto, é um toque de profunda natureza humana na história. Fica claro, na leitura, que o melhor argumento para a conversão dos povos ao islão, ou à cristandade, era fiscal - aqueles que não professassem a religião oficial ficavam sujeitos a impostos e tributações mais pesadas.
Apesar do largo espectro temático, este livro é uma leitura que não se consegue pousar. O estilo é leve, rigoroso, crítico e com alguns toques de humor. A leitura é complementada por inúmeras notas de rodapé, que complementam os temas gerais com detalhes, ou contando histórias do passado.