terça-feira, 4 de junho de 2024

Nuclear War: A Scenario


Annie Jacobsen (2024). Nuclear War: A Scenario. Nova Iorque: Dutton.

Classifico, sem qualquer dúvida, este livro como uma das leituras mais arrepiantes e aterrorizantes que fiz nos últimos tempos. Não é uma leitura simpática, e mostra-nos a cada novo capítulo como o impensável pode acontecer, como todos os sistemas de suposta salvaguarda têm tudo para não funcionar, como um acto irreflectido pode levar ao extermínio civilizacional

Sendo criança dos anos 80, recordo os tempos do final da guerra fria, onde as superpotências dispunham de arsenais nucleares capazes de destruir várias vezes a vida na Terra, em que se temia um possível confronto, quando se sabia que em caso de guerra, em poucos minutos as cidades da América do Norte, a Europa Ocidental e a Rússia ficariam reduzidas a cinza radioativa. A queda da União Soviética e os tratados de redução de armas atómicas reduziram, aparentemente, os riscos de uma guerra atómica, mas a verdade é que enquanto estas armas existirem, o risco existe. E as consequências de um único bombardeamento são devastadoras, quanto mais os riscos trazidos pelas doutrinas militares de resposta massiva a ataques.

Logo nas primeiras páginas, a autora não hesita em qualificar de genocida, à escala global e civilizacional, a possibilidade de uma guerra nuclear. O livro é uma ficção, uma experiência de pensamento, mas reflete uma longa série de entrevistas com políticos e militares americanos e europeus que tiveram responsabilidades ativas no sistema nuclear americano e da NATO. Assenta também no pouco material público sobre estudos, análises, sistemas e políticas de guerra nuclear da doutrina militar americana. É, no fundo, um vislumbre construído a partir de depoimentos e documentos sobre o planeamento de uma guerra nuclear, assumindo que muitos dos detalhes são ultra-secretos e apenas se podem intuir, a partir da escassa informação pública.

O retrato de uma guerra nuclear é implacável. No cenário imaginário, o lançamento de um míssil balístico intercontinental norte-coreano tendo Washington como alvo dá início a uma reação em cadeia que culmina na destruição global. A reação americana ao ataque norte-coreano passa por uma resposta massiva com dezenas de ogivas, cuja trajetória, combinada com falhas de comunicação confunde os sistemas russos a pensar que estão a ser atacados, e a responder com um ataque massivo de centenas de ogivas sobre os Estados Unidos. Estes, seguindo as doutrinas militares, respondem à letra. As cidades europeias são também atacadas, como aliadas que são. 

Toda a lógica do livro se baseia na teoria dos dominós, quando um equilíbrio instável é abalado por um acontecimento inesperado, ativando sistemas e protocolos, e se torna impossível travar a reação em cadeia. Assusta especialmente perceber que o tempo se mede em minutos, os decisores não têm tempo para decisões bem pensadas, uma guerra nuclear global duraria duas ou três horas e devastaria o planeta, com consequências que perdurariam por dezenas de milhar de anos.

A premissa deste livro parte da análise dos planos de sobrevivência em caso de guerra nuclear. Acaba por demonstrar que não há sobrevivência possível, apesar do imaginário despertado por bunkers à prova de bombas. Podemos observar que o cenário é radical, parte da premissa que um dos actores globais, um estado-pária, decide cometer um ato de loucura suicida. As tensões entre nações costumam ser mais medidas, mais previsíveis. Talvez. Mas reparem que há tensões constantes entre estados armados com bombas atómicas e governos agressivos, caso da Índia e do Paquistão. Que estados como Israel prosseguem políticas genocidas usando armas convencionais, arriscando um cerco árabe progressivo, e que  detém armas nucleares que poderáo ser usadas em caso de desespero. E, por último mas não por fim, as constantes alusões russas ao uso de armas nucleares como forma de dissuadir, e ameaçar, a União Europeia e os Estados Unidos no apoio militar aos ucranianos invadidos. Não podemos descontar os erros e acidentes, recordando que nos tempos da guerra fria, foi o bom senso de um oficial soviético ao interpretar dados dos sistemas de aviso de ataque como o erro que se revelaram ser, que impediram uma guerra atómica. Hoje, com outras tensões, mais exacerbadas e menos bom senso, o risco é muito maior do que nos tempos da guerra fria. É este cenário de horror, impensável mas meticulosamente estudado e planeado por estrategas e analistas militares, que Jacobsen nos traz, recordando-nos que não há vencedores numa guerra que aniquila uma civilização.