Henry de Montherlant (1977). O Caos e a Noite. Lisboa: Editora Ulisseia.
Recordo ter ouvido falar deste romance nas sempre interessantes conversas do João Morales, e quando o apanhei nos desvios literários, dei asas à curiosidade. É um livro curioso, que nos reorda as feridas abertas da guerra civil de Espanha através da história de um personagem deveras idiosincrático.
Décadas após o fim da guerra, o antigo combatente republicano Celestino Marcilio vive uma vida recatada como refugiado espanhol em França. Os seus dias são passados a discutir passado e política com um reduzido grupo de companheiros, que progressivamente aliena, enquanto escreve diatribes sobre a situação que acabam por não passar da sua gaveta. São impublicáveis, nem a imprensa mais radical lhes toca, e Don Celestino teme também vir a ser expulso e deportado para as garras do franquismo.
Celestino vive consumido por uma guerra que já terminou, entre medos, memórias e revolta. A pureza ideológica de anarquista é o seu norte, embora lhe escape a ironia de ser um anarquista qie vive de rendimentos finaceiros geridos de forma sábia e nem sempre honesta por outro espanhol. Resume a sua vida de pequeno-burguês convencido de que é revolucionário aos cafés, à filha e á criada.
Tudo muda quando lhe chega a notícia de que a irmã morreu, e terá de ir a Madrid tratar de questões de herança. Celestino entra em paroxismos de terror, embora se resigne à ideia do regresso. Teme, a todo o momento, ser capturado pelos franquistas, detido e torturado pela polícia. Mas nada acontece, e o perceber que afinal não é tão importante quanto imagina deixa-o ainda mais paranóico. Depois de uma tourada, um espetáculo desejado mas que Celestino percebe ser de uma sordidez patética, chegará o seu fim inglório, às mãos de um ataque cardíaco no quarto de hotel.
Uma história patética, de um homem que vive tão embrenhado e atemorizado pelo seu passado, tão imerso nos seus ideários, que a vida lhe passou ao lado. E que, ao perceber com o seu regresso à pátria, todo o sangue derramado são memórias esquecidas, que a sua luta já de si inglória foi descartada, se reduz ao nada. O triste resultado de uma vida passada entre caos e a fuga na noite.