quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Zorba the Greek


Nikos Kazantzakis (2016). Zorba the Greek. Londres: Faber & Faber.

Devo dizer que não esperava demorar tanto tempo de volta deste livro. Li as primeiras páginas num local privilegiado, no tombadilho de um ferry que atravessava o golfo Sarónico em direção a Egina. As palavras medidativas de Kazantzakis, aquelas primeiras páginas lidas sob os azuís do céu e do mar,  sob o sol que tisna o solo grego, ficaram como memória de viagem (em erasmus, e por isso acompanhado por outras nacionalidades, guiados pelas minhas simpáticas colegas gregas). Não se revelou uma leitura fulgurante. Apesar da prosa fluída, é um livro de meditação pesado, daqueles que tem de ser com calma, porque o turbilhão de ideias nele contido leva-nos de enxurrada.

Há uma constante e profunda tensão nesta obra que se inicia num cais chuvoso no inverno mediterrânico, e termina nas águas plácidas de Egina (recordo o momento na viagem em que um dos colegas gregos me toca no braço, e aponta para o casario da ilha, dizendo-me que o navio estava a passar mesmo em frente da casa do escritor cujo livro segurava). A tensão decorre entre dois espíritos, o da experiência física da vida, e a frieza da lógica e do raciocínio. Se a exuberância de Zorba é cativante, fulgurante na sua coragem, espontaneidade, veemência das emoções, esta é temperada pela reflexividade do narrador. O romance entretece-se à volta dessa dicotomia, na forma como se confrontam e complementam, mostrando como o contrastre profundo entre a forma de vida de dois homens que se tornam amigos os muda. O narrador, sem abandonar o seu intelectualismo, rende-se à vivacidade de Zorba, e este, sem perder a sua explosiva personalidade, deixa de temer as ideias mais profundas que a aparente simplicidade da sua forma de vida finge ignorar.

O livro não é um romance delicado. Pode trazer-nos à imagem uma certa visão idílica da Grécia, herdeira romantizada da antiguidade clássica, mas na verdade o romance é implacável com o povo grego, mostrando-o pobre, supersticioso e violento no retrato que faz das terras cretenses onde se passa a história. É mais um elemento contrastante, a dura realidade que molda o espírito de quem a vive confrontada com a visão romântica sobre um povo. Mas não são visões simplistas, o livro não se fica por retratos superficiais. 

Terminada a leitura, o que mais nos fica é a inefável sensação de vivacidade, da descrição de Kazantzakis da forma de viver de Zorba - o constante anelar por aventura, a incapacidade de assentar raízes, a eterna sedução feminina, a forma como os temores são dispersos com gargalhadas, a vontade quase cega de arriscar tudo e, se se perder, rir e seguir em frente. É a visão romântica da vida no estado puro, nómada e aventureira, de enfrentar a complexidade com simplicidade, de nunca cessar o deslumbramento, de dar primazia às emoções.  Podia terminar com a tentação de escrever que este romance caracteriza o espírito grego. E, por acaso, alguns dos que conheço têm em si o olhar e traços de personalidade que espelham a vivaciade de Zorba. Mas isso é uma visão simplista, que não faz jus quer ao povo, quer ao livro.