quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Neon


Rita Alfaiate (2023). Neon. Escorpião Azul.

Com toda a certeza, este é o livro mais deslumbrante e visualmente avassaldor de BD portuguesa que li neste ano. O trabalho gráfico de Rita Alfaiate já surpeendia nos seus livros anteiores, num registo a preto e branco, mas neste é esplendoroso. A história é inquietante, parte das distopias de futurismo grimdark para nos falar de solidão, nostalgia e aquele imenso amor por um animal que só os amantes de cães verdadeiramente compreendem. 

Numa cidade deserta, decaída e automatizada, uma jovem vive em quasi-solidão com o seu cão robot, que ela própria constriuir. Fica intuído, mas não explícito, que a personalidade do animal robótico espelha ou replica a de um animal real do passado da jovem. Perante um indício de outras pessoas na cidade, a jovem e o seu cão (deliciosa inversão do bem mais violento a boy and his dog de Ellison) atravassem-na, para se deparar com aquela que poderá ser a versão mais velha da jovem, perdida entre memórias. O livro é ambíguo, desafia a várias leituras, não se limita a uma visão linear.

É no visual de clara inspiração cyberpunk noir na sua paleta de cores, mas conseguido com traço expressivo e uma enorne fluidez plástica, que se encontra o destaque do livro. A fluidez estética traduz-se na forma como o livro alterna entre grafismos, do desenho ao aguarelado, do traço quase caricatural ao realismo. Virar a página é sempre uma nova surpresa, nesta edição assombrosa que toca na ficção científica, mas nos dá visões de humanismo individual.

E, claro, o cão Neon é uma delícia! Digo eu, que não consigo resistir ao olhar de um patudo...