quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Camp Damascus


Chuck Tingle (2018). Camp Damascus. Nova Iorque: Tor Nightfire.

Imaginem a surpresa de descobrir que Chuck Tingle escreveu um livro mais sério. Este escritor ganhou fama pelos múltiplos títulos de erotica bizarra que incluíam, entre outros temas, dinossauros ou políticos de aspeto conservador e comportamento vígaro. Nunca os li, confesso, erotica não é a minha cena, mas digam lá que uma série com o título Space Raptor Butt Trilogy não vos deixa com questões em mente?

Camp Damascus é um mergulho de Tingle no terror, que apesar de simples e não especialmente complexo, fala-nos dos verdadeiros horrores da sociedade. Não é um livro subtil, diria que se percebe todo o enredo a menos de metade da leitura, o por onde vai a história e qual o seu significado, mas como a escrita é leve e escorrida, mantemo-nos na leitura pelo gosto de ver como acaba a história. 

Acompanhamos uma jovem muito religiosa, que vive naquelas comunidades que são normalíssimas para os seus habitantes mas quem está de fora topa logo que são seitas religiosas retrógradas. Apesar de ser uma bem integrada membro da comunidade, a jovem tem dúvidas, estranhos pensamentos que assolam, e uma incapacidade que não consegue explicar para corresponder aos avanços dos rapazes, apesar de todos lhe dizerem que isso é o natural. E, pior, quando esses pensamentos se detém na beleza feminina, manifesta-se um demónio com consequências horripilantes. Acabará por descobrir a verdade.  A comunidade religiosa é conhecida por gerir um campo de cura de homossexualidade, com uma taxa de sucesso total. O segredo da cura envolve, para além do reprimir da personalidade, a possessão demoníaca para travar recaídas com extremo prejuízo, se necessário. Felizmente, os demónios têm um ponto fraco (com uma ideia em que Tingle vira ao contrário os pressupostos sobre o mito católico do inferno, e vai até buscar Dante para se justificar).

Camp Damascus não é  um livro subtil, como seria de esperar deste autor. Aparenta ser uma normal mas divertida história de terror, para deslindar numa mensagem sobre a forma como as sociedades conservadoras gostam de esmagar a personalidade e liberdade daqueles cuja forma de ser não aprovam. Sem ser muito elegante, a escrita é escorreita e o livro lê-se muito bem, entre o divertimento do horror, a mensagem mais profunda (bem, não muito profunda, mas é válida), e os voos especulativos do universo ficcional. Na forma como foi escrito, o livro daria um bom filme de terror, a sua linguagem narrativa evoca muito a fluidez do cinema.