quinta-feira, 19 de outubro de 2023

The Kaiju Preservation Society


John Scalzi (2022). The Kaiju Preservation Society. Nova Iorque: TOR.

Scalzi está tão à vontade no urdir de complexas teias narrativas space opera, com a escrever histórias menos elaboradas, livros mais leves para entretenimento. Este Kaiju Preservation Society cai dentro do segundo tipo, um romance divertido, que não se leva demasiado a sério, onde personagens sem grande profunidade nos arrastam consigo numa aventura divertida. 

Ser leve e divertido não o torna um mau livro, Scalzi sabe muito bem do seu ofício, e o resultado é uma leitura imparável que parte de premissas alucinantes. Tudo começa quando um executivo de uma empresa de entregas se vê despedido no momento em que pensa ir ser promovido, nos dias em que o mundo se estava a fechar devido à pandemia de covid. Tem a sorte de ser entrevistado para um outro emprego, para o qual o seu mestrado que nunca se tornou doutoramento em literatura de ficção científica é uma das qualificações. Um emprego miraculoso, que lhe paga as dívidas, mas exige secretismo total e ausências prolongadas em locais dos quais não pode falar.

E é aqui que as coisas se torna divertidas: o tal local é uma Terra paralela, muito similar à nossa mas onde a espécie dominante são kaijus, e todo o ecossistema agressivo que os suporta ou se defende deles. O delírio do livro está na forma como é nitido que Scalzi se divertiu a congeminar este mundo ficcional. Imagina os kaiju como um pináculo biológico que evoluiu para aproveitar a energia nuclear, ou seja, um kaiju adulto contém dentro de si um bio-reactor atómico. Mais do que isso, Scalzi imagina estes monstros gargantuescos como um ecossistema em si, dependendo de uma enorme variedade de parasitas, animais mais pequenos com os quais vive em simbiose. 

A descoberta deste mundo paralelo deu-se graças aos testes nucleares. Na visão de Scalzi, explosões atómicas fragilizam as membranas que separam universos, e no caso desta Terra paralela, os seus habitantes são naturalmente atraídos por picos de radiação, são, na sua óptica, uma oportunidade de refeição. Daí as deteções, e daí a constituição de uma organização secreta, suportada por governos e bilionários. Uma organização que nasceu para proteger a humanidade das criaturas monstruosas, mas depressa altera o seu papel, e passa a proteger os kaiju das depredações humanas, enquanto estuda o ecossistema da Terra paralela.

É para este ambiente que o jovem protagonista se vê atirado, junto com outros recém-recrutados. Descobrem um mundo perigoso, mas fascinante, mergulham na sociedade informal dos investigadores e pessoal das bases que vigiam os kaiju. E irão viver uma aventura única, ao salvar uma kaiju grávida raptada, que poderá colocar em perigo uma boa fatia do nosso planeta.

Scalzi solta neste livro o seu lado cómico, todo o livro é um voo divertido cheio de piadas, acenos à cultura geek, e situações bem humoradas, mesmo quando o drama aperta. Por detrás da sanidade duvidosa da linha narrativa dos monstros, há uma corrosiva crítica ao fascínio pelos bilionários, ao quase hipnotismo com que a nossa sociedade louva psicopatas que apenas querem enriquecer. Não por acaso, uma das principais linhas narrativas do livro lida com as ações rapaces de um bilionário, que, no tipo de justiça poética que não existe no mundo real (infelizmente), vai acabar como comida para parasitas de kaiju. Provavelmente, indigesta.

Livros destes recordam-nos que nem todas as leituras que fazemos têm de ser profundas, que por vezes a boa ficção científica também se faz de histórias simples, premissas bizarras, e sentido de aventura. Que, no caso deste livro, é temperado com fortes doses de bom humor, e, claro, com a obrigatória luta entre kaijus. Afinal, como poderia uma óbvia vénia de homenagem a Godzilla não ter dois monstros às turras?