terça-feira, 20 de junho de 2023

Terras Onde Se Fala Português

 

Maria Archer (1957). Terras Onde Se Fala Português. Rio de Janeiro: Livraria-Editora da Casa do Estudante do Brasil.

Fiquei curioso com este livro, quando deparei com ele na banca de um alfarrabista de rua na Ericeira. Pareceu-me um daqueles elogios estado-novistas a um mítico património globalista português, algo que de facto existe, mas não da forma como o regime se apropriou para fundamentar a sua ideologia. Não resisti a trazê-lo comigo, esperando um mergulho num tipo de ideário antiquado, que aprecio por curiosidade e não por eventuais nostalgias de tempos antigos. Mas algo não batia certo no livro, o nome da autora não me parecia desconhecido.

Perdoem-me a minha ignorância sobre vozes literárias portuguesas de meados do século XX. Maria Archer foi uma escritora com longa obra, envolvida em movimentos anti-fascistas. E viveu uma vida que a levou a várias destas terras que descreve no livro. Eu imaginava uma dama da burguesia salazarista a escrever um livro apologista do ideário nacionalista para o Secretariado de Propaganda Nacional mostrar que até era progressista a editar uma voz feminina. Já o livro não é uma edição portuguesa, mas brasileira, escrita a pensar num público jovem. Curioso resquício de tempos em que era natural considerar um livro volumoso de texto como leitura educativa para jovens.

Apesar do seu historial de ligação aos movimentos democráticos portugueses, este livro é de facto a propalação de um certo ideário de destino sagrado português, cruzando uma certa nostalgia pelos grandes feitos da história com um deslumbre pela vida colonial. Isso é particularmente patente nos capítulos dedicados a África, em cujas colónias Archer viveu. O deslumbre pela vastidão afriacana cruza-se com uma visão do homem branco como aquele que traz a civilização, enquanto descreve os indígenas como selvagens, irremediavelmente atrasados (algumas passagens de descrição étnica deste livro, a falar dos nativos guineenses, angolanos ou moçambicanos são, hoje, impensáveis e impublicáveis).

Diria que apesar da sua vida progressista, Archer era também filha do seu tempo, e por isso olhava para o colonialismo como algo de natural e desejável. O seu livro é sempre positivista, focando-se nas histórias de conquista, numa ideia rosada de espalhar o património cultural e linguistico, bem como na visão do colonialismo construtor de cidades, estradas e caminhos de ferro como civilizador de povos primitivos. O que descreve no livro alicerça-se na sua vida pessoal, avisando-nos no prefácio que apenas desconhece o Estado da Índia, Macau e Timor, baseando-se em leituras e relatos de conhecidos para escrever sobre estas terras. Escrito nos anos 50, tenta aproximar-se à atualidade da época.

A leitura é interessante, de um ponto de vista histórico, uma visão bucólica de uma certa nostalgia colonial. Fiquei curioso com a restante obra da escritora, e novamente via alfarrabista, já está um dos seus romances na pilha de leituras, para descobrir.