domingo, 21 de maio de 2023

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Para esta semana, destacam-se as Edisonnades, as questões de silenciamento literário, e um dos grandes marcos de maturidade narrativa nos comics. Fala-se de conjugar múltiplos empregos recorrendo à IA Generativa, os desafios da Relativity Space, e zonas de vida computacional. Olha-se para privilégios de beleza animal, a capacidade de separar a arte da personalidade do artista, e olhares para o lado incómodo do nosso passado.

Ficção Científica e Cultura Pop

NASA, 1971: Futuros no espaço.

4931) A Invenção de Morel: Confesso que nunca tinha visto este livro de Bioy Casares sob este prisma, o da imortalidade. Não total, mas sim parcial, pela preservação de memórias e momentos. Nem sob a visão de elitismo, de buscas pela preservação de memória que beneficiam aqueles que têm acesso às tecnologias (ou à cultura, como no brilhante exemplo de James), remetendo tudo o resto para esquecimento.

The Scientific Romances of Garrett P. Serviss: Há uma razão para este prolífico autor dos primórdios da ficção científica não ombrear com Wells ou Verne, é que as suas histórias eram francamente medíocres. Mas, para os fãs que queiram aprofundar os seus conhecimentos sobre o género, é um nome inescapável, graças às suas edisonades, um género de proto-FC americano em que Edison era a estrela, diria que uma comparação contemporânea seria imaginar toda uma vertente de FC em que Elon Musk seria o herói do espaço e tecnologia (o que até é um vício nalguns sectores de discussão sobre tecnologia, onde os fanboys tentam gritar mais alto que a lógica e bom senso).

O Deus mercado rejeitou o homem branco: A partir da polémica lançada por um daqueles escritores do nosso mainstream convencionalista conservador que eu francamente não me dou ao trabalho de ler, uma análise fria e metódica das reais razões que levam os livros aos leitores: não é a qualidade literária, o potencial impacto cultural, mas sim a possibilidade do lucro. Quando as editoras são essencialmente meros departamentos de conglomerados empresariais, é a folha de caixa que dita as prioridades. E isto tem dois gumes: desenganem-se, zelotas do hiperprogressismo que se sentem confortáveis com a alteração do conteúdo de livros em nome da não ofensa de sensibilidades: isso não acontece porque as editoras partilham a vossa visão de progresso, mas sim porque, para elas, vocês são um nicho de mercado para explorar.

(Re)Assistindo: Anthony Perkins em Psicose: Um dos mais subversivos filmes de Hitchcok, e o iniciador de uma série clássica de slashers.

ESPECIAL - EVENTOS - Festival Contacto 2023: O programa deste festival está muito interessante e reflete a sua maturação, espero poder visitar pelo menos no segundo dia.

New Fall of X Books Bring Finality and Weirdness to the Krakoa Komics: Aproxima-se o fim de um dos mais radicais arcos narrativos dos comics Marvel, que transformou profundamente os icónicos X-Men e lhes deu um papel central no universo Marvel, com a linha narrativa da ilha viva de Krakoa (um dos primeiros mutantes, e das primeiras ameaças que combateram no passado) a tornar-se um abrigo global para os mutantes, e uma nação independente. Um arco que deu azo a muitas vinhetas, entre aventuras cósmico-futuristas, space opera (com os New Mutants), ou geopolítica (praticamente toda a série de raiz dos X-Men). Resta saber como termina a história.

When did comics shift to focusing on visual storytelling?: Um vídeo que nos recorda uma das mais influentes e icónicas histórias dos comics clássicos, uma cujo arrojo na forma como abordou a gramática visual quebrou a tradição mecânica do desenho para comics, e lançou o lado mais experimental que fez amadurecer o género. Paradoxalmente, o desenhador que lançou esta revolução foi pouco reconhecido e é quase obscuro, excepto para quem aprecia a história da banda desenhada.

Tecnologia

Karel Thole: Vastidões.

Italy gives OpenAI initial to-do list for lifting ChatGPT suspension order: A atitude do regulador italiano tem sido apontada como um exemplo de obscurantismo, de querer meter um travão ao desenvolvimento da inteligência artificial. Mas, como mostra a sua lista de regras a cumprir para levantar o banimento ao ChatGPT, está apenas a tentar que estes serviços cumpram as leis sobre privacidade e dados pessoais, bem como sejam mais transparentes na forma como usam os dados no treino dos algoritmos. Diria que o regulador italiano tem razão, e está a fazer um trabalho admirável. Muito se discute que os serviços de IA necessitam de mais transparência e responsabilização, mas atitudes laissez faire apenas mantém o corrente estado das coisas, que está a favor das empresas, e não dos cidadãos. No fundo, o que o regulador italiano está a mostrar é que apesar de todo o hype à volta da IA Generativa, as empresas que a promovem e lucram com ela não estão acima da lei.

Elon Musk también está creando su propio ChatGPT. Lo sabemos porque acaba de comprar 10.000 GPU carísimas: Depois de ver o desastre que é o twitter by elon, não deixo de ficar a pensar que um LLM desenvolvido a expensas da fortuna do space karen será tipo um chatgpt que responde a todas as questões com frases elogiosas a musk.

Grifters Using ChatGPT to Work Multiple Full-Time Jobs at Once: É um fenómeno que não surpreende, e sublinha o caráter automatizável de muitas profissões de colarinho branco. Se bem que é errado pensar em automatização total. O que estes super-trabalhadores que conseguem ter múltiplos empregos fazem, é otimizar os seus processos de trabalho com ferramentas de IA Generativa. 

Microsoft se prepara para cambiar una función histórica de Windows (y esta decisión puede traer cola): Faz todo o sentido, atualizar a clássica tecla print screen para ativar nativamente a ferramenta de corte do Windows. 

OpenAI looks beyond diffusion with ‘consistency’-based image generator: E se fosse possível usar IA Generativa mais rápida, e em qualquer dispositivo? É essa a promessa desta nova técnica, que acelera o tempo que demora um algoritmo de IA Generativa a gerar conteúdo a partir de um prompt.

Relativity Space ya tiene una idea de las causas de que su primer cohete Terran 1 no entrara en órbita… y dice que no lo lanzará nunca más: O desenvolvimento de tecnologias ligadas ao espaço é uma tarefa de imensa complexidade. E, no caso das tecnologias espaciais impressas em 3D desta empresa, as falhas estão a levar a trabalhar já no passo seguinte, com um projeto mais ambicioso.

Meet the Robotics Company Beloved by Generative Artists for Transforming Their Digital Art Into Physical Reality: Para aqueles criadores de arte digital e generativa para quem uma simples plotter DIY ou Axidraw não são o suficiente, há uma empresa que se dedica a desenvolver soluções específicas de robots pintores.

Meet the World’s Least Ambitious AI: Um algoritmo simples, pensado para falhar perante a interação com humanos, e com isso manter o seu interesse no xadrez, mostra como as melhores ferramentas de IA nem sempre são as que fazem maravilhas.

Scientists Propose Looking for Life in Galaxy's ‘Computational Zones’: A proposta é interessante, alargar o conceito de vida observável à computação, mas suspeito que haja aqui uma ação metafórica. Dos modelos do universo como mecanismo de relógio ou máquina, passámos à metáfora computacional para descrever o universo que nos rodeia.

Google Tells AI Agents to Behave Like 'Believable Humans' to Create 'Artificial Society': Usar IA Generativa para simular sociedades. Para além do aspeto de quasi-FC distópica, há uma utilidade a curto prazo, a de desenvolver tecnologias de NPC generativos para jogos.

The Dawn of Mediocre Computing: Seria fácil ler este ensaio na perspectiva de uma aurea mediocritas cultural trazida pelos usos da IA Generativa, com a sua promessa de automatizar a criação de textos, imagens e vídeos. Mas estamos a falar de uma reflexão de Venkatesh Rao, um dos mais curiosos pensadores oblíquos sobre tecnologia, o que significa que vai muito mais longe, e nos recorda que é a mediocridade que sustenta o nosso dia a dia. Não no sentido pejorativo de medíocre, mas assumindo a impossibilidade de excelência constante nos sistemas que usamos e dependemos, ou como dizemos de forma vernacular, o ótimo é inimigo do bom, porque no dia a dia, precisamos de tecnologias que sejam suficientemente boas para o uso que queremos, e não das suas versões mais excelentes.

Reverse centaurs and the failure of AI: Como sempre, Doctorow a ser certeiro. Chamamos sistemas centauro às automatizações e algoritmos de IA que melhoram o desempenho humano. Mas, na proletarização destes sistemas, existe o seu oposto - algoritmos e sistemas que visam extrair o máximo possível de labor humano, mecanizando-o para lá de todos os limites. A forma da Amazon gerir o trabalho nos seus armazéns é, talvez, o corolário dos centauros inversos.

“A really big deal”—Dolly is a free, open source, ChatGPT-style AI model: A disponibilização destes modelos em fonte aberta é uma excelente ideia, quer para o democratizar do acesso a esta tecnologia, quer para a tornar mais transparente.

Tinkercad Gets a Move On: Tenho trabalhado pouco com o Tinkercad, neste momento deixei mais de lado a impressão 3D na educação para me focar na programação e robótica (com um olhar artístico) com os meus alunos. Mas esta nova função, a de permitir simulação física, parece-me muito prometedora.

Time to rethink the phone call: Confesso, sou daqueles que odeia ser interrompido pelo toque do telefone, ao ponto de considerar isso ofensivo. Longe vão os tempos em que o ring ring do telefone fixo eram uma excitação.

Relive the Glory Days of Sun Workstations: Para quem gosta de retrocomputação, eis um projeto divertido: correr o sistema operativo das workstations dos anos 80 num emulador.

"Dos personas hacen el trabajo que antes hacían diez": cómo la IA está afectando a los ilustradores en China: Podemos olhar para esta história sob o ponto de vista da ameaça que as máquinas representam para a humanidade. Mas a realidade é mais prosaica. O trabalho que estes ilustradores faziam estava longe de ser criativo, tratava-se de produzir conteúdos visuais a metro para produtos digitais chapa 5, aquele eterno ruminar das iconografias da ficção científica e fantasia para alimentar o lado visual daqueles jogos clones uns dos outros que vão aparecendo nas app stores em infinda torrente. É banal, rotinável e de baixo custo, não representa nada de novo, é a cópia banalizada em infindas variações do que é essencialmente o mesmo. Ou seja, aquilo que a IA generativa mostra que faz muito, muito bem.

Has The Metaverse Been Put On Hold?: Sim, sem grandes surpresas. Quando há ano e meio grassava o deslumbre com os metaversos e o optimismo com a revolução da realidade virtual, quem se atrevia a criticar, apontando que a realidade virtual já passou por picos de hype anteriores que não deram na tão desejada massificação da tecnologia, era logo apontado como velho do restelo. Agora, todo este campo, da realidade virtual, mundos virtuais e metaversos, volta a ficar em banho maria. As causas são sempre as mesmas: a tecnologia que os sustenta continua pouco prática (francamente, acham mesmo que é boa ideia enfiar um HMD para trabalhar no excel, como se viu nalgumas das propostas mais corporate dystopia da Meta?); e o interesse que desperta continua a manter-se nalguns nichos específicos, como os jogos ou a educação. A queda abrupta deste terceiro pico da Realidade Virtual foi ajuda pela corrente explosão de deslumbramento com as capacidades (ainda rudimentares, mas não se pode dizer isso) da IA Generativa.

Modernidade

Outguessing The Red Demon: Ou, um meio de transporte capaz de transformar o condutor em carne picada.

Do some animals have pretty privilege?: Bem, não seríamos tão apaixonados pelos nossos cães e gatos se não fosse pela sua beleza aos nossos olhos, certo? 

El primer buque "portadrones" del mundo es la nueva joya del ejército turco (y se ha diseñado en España): Note-se aqui a confluência de tecnologia com geoestratégia. O que a Turquia realmente queria era um porta-aviões equipado com F-35, mas o arrefecimento das relações com os EUA ditou o seu afastamento do programa. Por isso, transformou o projeto num porta-drones, equipando o navio com aeronaves não tripuladas desenvolvidas por empresas turcas (e, como tem sido demonstrado na Ucrânia, mas também noutros conflitos, são de baixo custo mas tão capazes como drones desenvolvidos por empresas ocidentais).

It’s Okay to Like Good Art by Bad People: Será possível conciliar o respeito e admiração pela obra de um criador, com as falhas de personalidade, defeitos e eventuais crimes da pessoa? A resposta negativa típica da cultura de cancelamento é de uma enorme preguiça intelectual, mas a simples aceitação também não é suficiente, há que incorporar visões críticas sobre a vida ao admirar a obra, e ter a capacidade de olhar mais além, para o espírito da obra de arte em si, em vez de manter o foco nas falhas do criador. Claro, isto não é um processo fácil, muito em especial se o tipo de comportamentos censuráveis dos criadores despertam traumas ou revulsões nos espectadores, saber que as musas de Gauguin eram menores de idade ou que Woody Allen teve relações questionáveis com filhas adotivas, ou que Leni Riefenstahl não são temas fáceis de digerir.

Madrid: o que visitar numa escapadinha de dois dias à capital do ‘país vizinho’: É um cliché, eu sei, mas sabe sempre bem dar um saltinho ao centro de Castela. Madrid tem os seus encantos, e embora os meus não espelhem os do artigo (mas confesso, os churros em San Ginés são um dos meus prazeres culposos), sempre dão uma saudade da cidade.

O tapete que revela o maior crime de Portugal: Confesso-me curioso por ver este documentário, por se atrever a abordar uma das heranças incómodas da nossa história. Não precisamos de falsos mea culpas, mas também não podemos descartar esta questão com o menorizar do esclavagismo como um mero elemento económico do triângulo comercial atlântico. E sim, os portugueses não foram os únicos a explorar o esclavagismo, nem o africano é caso único na história, a posse de seres humanos sempre foi uma constante em muitas civilizações. Mas, felizmente, evoluímos, e saber olhar para o passado é um sinal de maturidade.

Of Course This Is How the Intelligence Leak Happened: Confesso alguma dificuldade em acreditar nas ações de um pós-adolescente à procura da validação dos amigos virtuais de um canal de chat como a origem do vazamento de segredos militares americanos que surpreendeu o mundo. Claro, a banalidade da explicação torna-a muito plausível, e nestas coisas, por vezes o simples é o que realmente é. Mas estamos a falar de documentos militares descobertos a meio de uma guerra. Pode ter sido o que nos estão a dizer que foi, um rapaz idiota com acesso ao que não devia, mas também pode ter sido, ou melhor, estar a ser, uma operação de desinformação. Reparem que os ucranianos têm todo o interesse em mostrar informações secretas que os mostrem como vulneráveis, como forma de justificar o crescimento do apoio militar à Ucrânia. E, também, não é de por de parte a ideia de que os próprios serviços americanos se serviram deste estratagema como operação de desinformação, misturando informações verdadeiras com falsas para confundir os decisores russos (especialmente porque se sabe que estão a empurrar os ucranianos para uma ofensiva de primavera que estes estão relutantes em fazer). Não são estratagemas novos, a história dos serviços secretos está cheia destes estratagemas. O rapaz agora preso pode ter sido, realmente, um idiota; ou talvez um idiota útil, sacrificado como bode expiatório para cobrir falhas de segurança americana; ou talvez uma peça no jogo da desinformação. Notem que coloco estas ideias no campo do talvez, é interessante especular, mas há que evitar o risco de cair em teorias da conspiração.