Malyn Newitt (2023). Portugal: A História da Expansão Marítima. Lisboa: Alma do Livro.
É sempre interessante analisar a nossa história a partir de um olhar exterior. São visões que não têm o peso da nossa herança cultural, e que por isso não são condicionadas pelos nossos vieses. E, com isso, conseguimos olhar para o nosso passado com uma visão diferente. Este livro, nisso, é uma excelente surpresa. Fortemente erudito, revela ao mesmo tempo um profundo conhecimento da história portuguesa, como também um gosto pessoal da autora. E a sua pergunta, a lógica de todo o livro, é tentar perceber como é que um país pobre e periférico, com poucos recursos, se conseguiu tornar uma potência global dominante durante cerca de um século.
Nestas coisas, as repostas não são lineares e envolvem a conjugação de inúmeros factores. Estes são analisados pela exploração detalhada dos factos e tendências históricas. A análise é profunda. Desmonta alguns mitos, advindos de interpretações posteriores de índole nacionalista (é especialmente interessante a forma como desmonta o mito do infante D. Henrique, que teve pouco de monge e nada de cientista, apesar da fama, sendo antes um político arguto que procurava riquezas).
O retrato que faz da expansão portuguesa é profundo, iniciando na conquista de Ceuta e terminando no fim do domínio português no oriente. Mostra um caminho complexo, feito mais na busca de comércio e riquezas do que poder territorial, mas que se fez usando a violência para forçar ao comércio. Mostra também que foi um império improvável, onde as componentes informais se sobrepunham muitas vezes â ideia de império formal, em parte pela cupidez dos aventureiros que se dirigiam ao oriente, em parte pela dispersão daqueles que lá chegavam, que ultrapassavam os limites territoriais das conquistas portuguesas. E, essencialmente, pela real incapacidade do país em adaptar as suas estruturas governativas a um novo mundo de territórios e trocas comerciais. Esta, conjugada com o envolvimento português nas guerras europeias aquando da união filipina com Espanha, que tornou os territórios portugueses num alvo para ingleses, franceses e holandeses, foi talvez o que provocou a derrocada de um império que foi ultrapassado pelo resto do mundo, e mesmo assim, persistiu de forma vestigial até ao final do século XX (teimosia é algo que está arreigado no caráter português).
A autora sublinha bem o papel da diáspora portuguesa, algo que já era tão prevalente nos tempos dos descobrimentos como hoje. Já na altura os portugueses se espalhavam pelas sete partidas do mundo, uns mais a pensar na exploração e lucro a curto prazo, mas muitos outros a integrarem-se nas sociedades locais, adotando novos costumes e culturas. É esse o legado que a autora mais sublinha da aventura imperial portuguesa, usando o impacto cultural para contrabalançar o impacto negativo da violência militar, escravatura e imperialismo.