quinta-feira, 9 de março de 2023

The Eternal City: A History of Rome


Ferdinand Addis (2018). The Eternal City: A History of Rome. Nova Iorque: Pegasus Books.

É um sentimento inescapável ao viajante ou turista mais sensível ao peso da história, da primeira vez que pisa a cidade de Roma. Percebe-se o porquê de ser chamada a cidade eterna, não pelas conotações religiosas de ser a sede do catolicismo, ou o seu passado imperial romano, mas por ser um daqueles locais onde se sente que os séculos se acumulam, atropelam e coexistem. É o sentimento que me passou pelo espírito quando a visitei, duas vezes mais ainda não as suficientes. Mesmo que estejamos a ser acotovelados pelos turistas à caça de selfies na fonte de Trevi, a temer o trânsito no lungotevere, ou à procura de uma refeição em Trastevere que não seja armadilha para turista (tive sorte, diga-se). Há qualquer coisa no ar romano, que emociona, que nos faz sentir o peso do tempo humano, das milhentas vidas que calcorrearam as ruas de uma cidade de múltiplas encarnações. E nunca hei de esquecer o meu primeiro contacto com o Coliseu e o Fórum, numa madrugada em que arrisquei as trevas das ruas (de acordo com o mapa, o hotel onde estava era relativamente próximo da zona, mas depressa percebi que em Roma, as distâncias são para levar a sério) e me vi totalmente perdido, até que, com o sol quase a despontar e o negro da noite a desvancer-se num profundo azul, me deparei com o Coliseu ao amanhecer (o porquê desta estranha hora para visitar o monumento prendeu-se com o ter de estar na Fiera di Roma pela manhã, estava na cidade não a passeio, mas em trabalho).

Esse espírito de uma cidade-palimpsesto, cuja paisagem nos transporta entre a antiguidade clássica, as eras medieval e moderna, os séculos XIX e XX, é captado na perfeição por este livro. É uma obra sobre a história de Roma, mas Addis tem claramente uma veia de romancista. Não é um livro árido, a história da cidade conta-se através do entretecer de episódios que nos levam às vidas dos seus habitantes, dos mais famosos imperadores aos humildes judeus do ghetto. 

É uma fórmula que funciona. Talvez escreva isto porque estou à partida predisposto para que um livro sobre uma cidade que admiro me agrade, mas ao personalizar, ao entretecer histórias da história, momentos biográficos registados, com os fluxos factuais, Addis consegue criar uma grande empatia para com o passado. Não o passado dos factos e feitos, mas sim o passado humano, porque a história de uma cidade é, no fundo, uma história das pessoas que a habitaram.

Addis leva-nos aos primórdios, quando Roma era um conjunto de aldeias à beira de um pântano que contra toda a lógica, se uniu para crescer num império que dominou grande parte do mundo conhecido. A evolução da Roma, enfim, romana, recebe um enorme naco de atenção, entre os seus primeiros passos, o surgir da república, a época imperial, e a progressiva ruína, nas convulsões da decadência do império. Somos levados à cidade medieval, sede de um papado que se compraz nas intrigas e poder temporal, no luxo eclesiástico. A cidade renascentista é a epítome desse luxo, legando-nos a arte e arquitetura que hoje tanto nos deslumbra. Da época romântica, Addis faz a crónica dos poetas e artistas ingleses que, por entre o seu grand tour e as suas rebeliões contra o modus vivendi em terras de sua majestade, se apaixonaram pelas ruínas da cidade. O livro termina com três Romas: a das guerras que levaram à unificação da Itália, o peso do fascismo, e, terminando o livro com chave de ouro, a Roma da segunda metade do século XX, entre a pobreza da cidade aberta e a dolce vita de Fellini.

Este livro é de uma tremenda erudição, recheado de factos e análise. Mas consegue ler-se quase como um romance. Pessoalmente, os parágrafos que mais me impressionaram prenderam-se com o gosto romano pelo entretenimento nos coliseus. Por um lado, desmistifica o mito dos gladiadores como condenados a combater até à morte (até porque o investimento para treinar um gladiador era tão elevado que não fazia qualquer sentido matar um vencido na arena). Por outro, o tratamento dado a criminosos, a tortura de humanos e animais como espetáculo que divertia as populações, é daquelas leituras que provoca volteios no estômago.