terça-feira, 11 de janeiro de 2022

The Ministry for the Future


Kim Stanley Robinson (2020). The Ministry for the Future. Nova Iorque: Orbit.

Surpreendeu-me um inesperado apelo à violência neste livro, algo que me parece ser pouco consentâneo com a ficção científica metódica e cerebral de Kim Stanley Robinson. Mas é compreensível. Ministry of the Future é um romance sobre as alterações climáticas, algo que já deixou de ser um perigo iminente, é hoje uma realidade catastrófica. Por ironia, terminei esta leitura no dia em que mais uma conferência global sobre o clima termina com discursos bonitos, promessas inconclusivas e ações nulas, isto nos dias em que os efeitos agudos já se fazem sentir. No seu romance, Robinson coloca eco-terroristas a torpedear navios de carga ou abater aleatoriamente aviões de passageiros, o que obriga as empresas a desenvolver meios alternativos, reduzindo drasticamente o impacto da aviação e comércio marítimo no ambiente. Discursos e declarações de intenções são bonitos, mas um míssil inesperado é muito mais convincente. 

Apesar deste pormenor de curiosa violência, Ministry for the Future é um romance otimista. Percebe os enormes desafios económicos, sociais, e especialmente de mentalidades, que têm de ser ultrapassados para que se possa salvar o planeta - e, por extensão, a humanidade. Ao longo do romance, Robinson entretece uma teia de ideias interligadas, entre geoengenharia, alterações profundas ao sistema capitalista em direcção a um socialismo global (mitigar desigualdades desarma um dos argumentos para a manutenção de sistemas poluentes, o sustento de populações), reflorestação à escala planetária, alterações aos modos de vida globais em direção à sustentabilidade. Talvez as propostas mais radicais de Robinson se prendam com os sistemas financeiros, onde especula sobre uma criptomoeda global indexada à descarbonização, que permitiria manter o sistema capitalista com incentivos reais à diminuição das emissões. Como observa, com imenso humor negro, no romance, talvez a chave da salvação do planeta esteja nos banqueiros. Aqueles cuja primeira prioridade é proteger o sistema financeiro, e não hesitam fazê-lo mesmo que à custa das populações. Mas se perceberem que a forma de manter a estabilidade financeira é salvar o planeta, talvez as coisas mudem.

Romance de fragmentos, Ministry for the Future imagina uma obscura organização das Nações Unidas que, por força das circunstâncias, ganha protagonismo global. Em parte, pela liderança e propostas arrojadas da sua diretora, finalmente escutadas ao mais alto nível. As catástrofes ambientais sucessivas que assolam o planeta tornaram imperativa a implementação de mudanças reais. Mas, noutra parte, pela capacidade de alguns dos seus elementos agirem de forma secreta, agitando e provocando actos violentos que obrigam a mudanças. 

Apesar do início negro, o final é feliz. Robinson dá azo ao seu lado de especulação sistémica, de criação de sistemas funcionais, para nos mostrar um possível percurso que, em alguns anos, poderá manter a nossa civilização, fazendo-a evoluir,  e salvar o planeta, mitigando os efeitos do aquecimento global. É este o apelo didático da cli-fi, tentando que, nestes dias em que a única certeza é que os efeitos do antropoceno no planeta já são irreversíveis, a imaginação se desperte para a incessante busca de soluções. 

Ah, se a realidade fosse como este romance, poderíamos ser otimistas, infelizmente, a experiência mostra -nos que mesmo perante os piores indicadores, os interesses económicos e políticos assumem sempre primazia face ao desafio existencial que é o enfrentar das alterações climáticas.