terça-feira, 2 de outubro de 2018

Lassú Qualcuno Ci Chiama


Tiziano Sclavi, Bruno Brindisi (2018). Lassú Qualcuno Ci Chiama. Milão: Sergio Bonelli Editore S.p.A..

É conhecido o gosto que Umberto Eco tinha pelo trabalho de Tiziano Sclavi em Dylan Dog. É muito citado pelos fãs e críticos o seu dito que tinha duas leituras que nunca o cansavam, a Bíblia e Dylan Dog. A admiração não seria necessariamente pelo personagem, o que o fascinava era a forma como Sclavi estruturava as suas histórias em episódios aparentemente desconexos, enquanto tecia uma complexa teia narrativa.

Lassú Qualcuno Ci Chiama é a resposta de Scalvi a Eco. Uma homenagem ao pensador e semiólogo italiano, inclusivamente retratado como personagem nesta aventura do Old Boy. Humbert Coe, linguista cujo labor de vida é procurar indícios de uma possível lingua-mãe primordial, a base da qual terão derivado todas as línguas humanas, arregimentado para ajudar a decifrar uma possível mensagem alienígena, e atormentado por sonhos recorrentes da cacofonia da torre de Babel. Coe é o retrato caricatural de vénia a Eco.

Uma potencial mensagem extraterrestre é descoberta num observatório de radioastronomia no país de Gales e um semiólogo é desafiado a decifrar a mensagem. Entretanto, Dylan e Groucho deslocam-se a uma aldeia galesa de nome impronunciável, a pedido de uma cliente. Chegados à vila, os mal entendidos sucendem-se no choque com os seus habitantes. Os galeses são orgulhosos da sua língua e costumes, e vêem mal ingleses que supostamente os vêem oprimir. Para piorar, praticamente todos os habitantes têm o mesmo apelido, o que ainda complica mais o papel de Dylan.

Dylan foi contratado por uma atípica habitante da vila, uma emigrante senegalesa que veio parar a Gales através de um casamento. Agora viúva, trabalha como mulher a dias no observatório e na casa que Coe alugo. Alguns meses antes, a sua filha desapareceu em circunstâncias misteriosas, e acredita que Dylan a salvará.

Como nas boas histórias de Sclavi (e esta é das mais encantadoras), o cruzamento de linhas narrativas é complexo, uma complexidade inesperada no que é um produto de cultura popular. Há muitas histórias dentro desta história, a tranquila obsessão de Coe, as dinâmicas de tensão entre forasteiros e nativos (que Sclavi explora com humor corrosivo), a vida de uma emigrante que acabará por se tornar a mais inusitada paixão de Dylan, as histórias dos habitantes da vila, as tradições galesas, as lendas locais, e a suposta mensagem alienígena, que se revelará ser um poema gaélico, que poderá ser totalmente falsa, um anacronismo, ou uma manifestação espiritual. Sclavi ainda consegue enfiar referências a ovnis, conspirações militares e tensões políticas. Lassú Qualcuno Ci Chiama é uma sorridente homenagem a Eco, e uma das mais encantadoras e divertidas histórias que Sclavi criou para Dylan Dog.

Originalmente publicada em 1998, é agora reeditada em edição a cores de capa dura, na coleção Il Dylan Dog di Tiziano Sclavi. A edição é complementada com ensaios sobre esta aventura do personagem.