Há tempos atrás, com o aCalopsia ainda activo, ouvi o rumor que a g.Floy iria editar no mercado português uma das séries de Jonathan Hickman para a Image. Manhattan Projects, perguntei esperançado. A resposta foi um deprimente não. A aposta seria na outra série deste argumentista, East of West, um western sci-fi weird numa realidade paralela onde as américas estão balkanizadas, em zonas independentes, separadas entre a república maoista da califórnia, a confederação sulista, os reis creoles do petróleo do golfo, nativos americanos high tech e a velha república. No centro dos desertos fica uma torre, e a Morte, um dos cavaleiros do apocalipse, cavalga pelo deserto em busca do seu filho, desavinda dos restantes cavaleiros, que fieis a si próprios conspiram para trazer o apocalipse a este mundo. Também uma série interessante, muito divertida no inicio, mas que caiu na desgraça de ficar no gosto do público, o que resultou numa história interminável, já a repetir-se em círculos, apenas para se manter em edição. Mannhattan Projects, apesar dos múltiplos prémios, não teve essa sorte e terminou. Algo de mau, por um lado, porque se perdeu o delicioso weird desta série, mas por outro não se esgotou na irrelevância.
Jonathan Hickman, Nick Pitarra, Jordie Bellaire (2012). The Manhattan Projects Vol. 1: Science. Bad. Berkeley: Image Comics.
Ostensivamente, o Projecto Manhattan reuniu cientistas de ponta para criar a primeira bomba atómica, numa corrida cujo resultado influenciou decisivamente a II guerra mundial. Mas... e se este projecto de desenvolver armas atómicas fosse apenas uma cobertura para conspirações maiores? E se os maiores cientistas do século XX estivessem interessados em tecnologias exóticas, robótica militar e exploração espacial, usando a bomba atómica como desculpa para conseguirem recursos e liberdade total para explorar o inexplorado. E se... os cientistas fossem liderados por Oppenheimer, não o Robert histórico mas o seu irmão gémeo, detentor de múltiplas personalidades, praticante de canibalismo para absorver todo o conhecimento das suas vítimas, e no interior de cujo cérebro decorre uma intensa guerra civil entre os seus alter-egos?
Jonathan Hickman e Nick Pitarra mergulham-nos neste mundo de ficção científica retro assumidamente absurdista, onde personalidades históricas são distorcidas para lá do expectável. Se o discreto Oppenheimer leva a palma do absurdo com as suas múltiplas personalidades, outros não lhe ficam atrás. Von Braun é um cyborg exterminador dos seus colegas de Peenmunde, para garantir que os americanos lhe dão a importância que merece, Einstein não é Einstein, é um menos genial Einstein de um mundo paralelo que raptou o Einstein do nosso mundo quando este testou uma tecnologia de portais, Yuri Gagarin nunca larga o seu fato de astronauta, o ministro soviético da ciência é um cérebro num corpo robótico, Feynman é um jovem convencido do seu excelso brilhantismo, Fermi é um alienígena refugiado na terra, sempre acompanhado de um outro cientista que sofreu um acidente com material radioactivo e agora tem de estar sempre enfiado num fato anti-contaminação, do qual só sai para se deliciar com refeições de plutónio.
Soa estranho? Vai ainda mais longe. O presidente Roosevelt, após a morte, é transformado numa Inteligência Artificial a correr em mainframes, e o novo presidente Truman representa uma cabala secreta de ocultistas, banqueiros e criminosos que vê na ciência um obstáculo ao seu domínio sobre o mundo.
Neste primeiro volume, mergulhamos nas bizarrias progressivas deste mundo, ficando a conhecer as suas principais personagens e linhas narrativas que serão pulverizadas por níveis superiores de estranheza ao longo da série.
Jonathan Hickman, Nick Pitarra, Jordie Bellaire (2012). The Manhattan Projects Vol. 2: They Rule. Berkeley: Image Comics.
Não estamos sozinhos no universo. Mas no universo de Manhattan Projects, as civilizações alienígenas avançadas que se cuidem, porque os cientistas e militares dos projetos são capazes de tudo. Neste volume, um primeiro contacto com uma civilização intergaláctica avançada, que vê os terrestres como seres primitivos, resulta no seu extermínio pelos cientistas dos projectos. O conhecimento das civilizações estelares que a Terra nem desconfia que existem, obtido por Oppenheimer após devorar o cérebro de um alienígena, leva os cientistas a reagir. Se no mundo exterior os blocos ocidental e soviético se defrontam na Guerra Fria, os cientistas avançados de Manhattan Projects e os seus congéneres soviéticos unem esforços e conhecimento para dominar o espaço. Tudo fica em risco com um golpe orquestrado por Truman e a sua cabala de banqueiros e místicos, que quase tomam conta dos complexos, mas acabam inevitavelmente derrotados com extremo prejuízo graças aos esforços do falso Einstein e do seu admirador Feynman. A derrota é total quando a Inteligência Artificial de Truman é destruída pela companheira inseparável de Gagarin, a cadela Laika, que prova que urina de cão é uma arma potente contra computadores a válvulas. Bizarro, delirante e delicioso, este segundo volume da série.