quinta-feira, 26 de janeiro de 2017
Moorcock's Multiverse
Michael Moorcock (2014). Mooocock's Multiverse. Londres: Gollancz.
Três romances de Moorcock reunidos num dos volumes da Michael Moorcock Collection, uma edição da Gollancz que colige toda a obra do autor. Este volume, Moorcock's Multiverse, colige três dos seus romances clássicos de ficção científica.
The Sundered Worlds: A Space Opera nas mãos de Moorcock ganha uma intrigante dimensão de psicadelismo cósmico. Com a humanidade a espalhar-se por um universo que não parece conter outra forma de vida inteligente que não a humana, um dos guardiães da expansão começa a sentir uma ameaça difusa. Este homem, Conde Von Bek, com os seus sentidos sincronizados com as vibrações cósmicas das leis da física, intui que a ameaça de extermínio paira sobre o universo. Para a combater, e tentar salvar a humanidade, desafia tudo e todos e viaja até ao local mais enigmático do universo, uma zona do espaço onde, ciclicamente, surge um sistema solar que parece vir de um universo paralelo, perpendicular ao de Von Bek. O mergulho nesse sistema revelará mais do que esperado.
No centro, Von Bek encontrará um planeta que existe simultaneamente em todas as dimensões do multiverso, onde contactará seres que se apresentam como superintendentes das espécies inteligentes do multiverso. Aí é-lhe revelado o propósito da ameaça que paira sobre o universo habitado pela humanidade: transcender ou perecer, iniciando um longo caminho que permitirá à espécie inteligente capaz de transcender os limites do seu universo vir a tomar o lugar destes alienígenas envelhecidos. O multiverso é composto por camadas de universos possíveis, e aqueles que não são inóspitos à vida são habitat exclusivo de uma única espécie. Fugindo do seu universo em derrocada, numa enorme frota de refúgio, a humanidade descobre-se noutro universo, e tem de lutar pela sobrevivência contra os seus habitantes nativos, uma espécie com um profundo código de honra que não pode ser derrotada militarmente. Resta um jogo cósmico de sensações e ilusões, e apenas aqueles que exploraram o planeta que existe simultaneamente em todos os universos terão a capacidade mental para infligir a derrota e garantir o futuro da humanidade.
Moorcock usa com gosto os elementos clássicos da Space Opera. Temos intrigas, aventuras em planetas exóticos, grandiosas batalhas espaciais. Mas, ao contrário do habitual no género, estes elementos são adereços e não a razão de ser do livro. Moorcock delicia-se com uma visão de colisão entre as teorias da física e o psicadelismo, descrevendo um conceito de multiverso finito mas gigante, composto por camadas simultâneas de universos, acessíveis apenas àqueles cuja percepção espacial e temporal é alterada por forças cósmicas.
The Winds of Limbo: Moorcock nunca se interessou por absolutos. Os seus personagens icónicos têm tanto de herói como de vilão, de vítima como de vitimizadores. Neste Winds of Limbo, tudo se foca na bizarra personagem do Fireclown, um homem que sobreviveu a um acidente cuja nave se aproximou demasiado do sol. Tendo as suas percepções alteradas, compreende para lá do espaço e do tempo, tornando-se capaz de criar tecnologia que ultrapassa as limitações físicas das viagens espaciais. Fá-lo para responder a uma questão muito pessoal, tentando perceber as vantagens da inteligência sobre a consciência. Se tudo o que este personagem tem a oferecer à humanidade poderá acelerar o progresso, aquilo que realmente procura ameaça a sua existência.
Mas não mergulhamos nos dilemas e lutas deste personagem singular. Aliás, apesar do romance girar à sua volta, não é o seu principal protagonista. Acompanhamos um jovem ligado às famílias mais poderosas da democracia global que, centrada na cidade que se ergue nas montanhas da Suíça, controla os destinos de um sistema solar pelo qual a humanidade cautelosamente se expande. O aparecimento do Fireclown vai despertar numa sociedade tranquila e complacente anseios e pulsões que se julgavam há muito esquecidos, enterrados sob a civilização progressista. Entre o efeito galvanizador do personagem junto das populações e os desejos de poder por parte das elites, a democracia fica em perigo, no limiar da ditadura. Uma conspiração entre traficantes de armas e políticos ambiciosos que, utilizando a estranheza do Fireclown como pretexto, geram medo na sociedade e exploram-no para atingir o poder. Grande parte deste livro de FC passa-se em deslindar de intriga política, bem dentro daquela visão clássica do futuro como progresso tecnocrático, rumo à estabilidade e união global, com fugas ocasionais para o lado cósmico e psicadélico que associamos ao autor.
The Shores of Death: A humanidade parece estar a viver os dias do seu ocaso. Uma estranha invasão alienígena teve curiosas consequências. A rotação do planeta foi parada, passando a estar dividido entre zonas continuamente na luz ou na penumbra. A radiação alienígena provocou alterações biológicas que, se a natureza conseguiu adaptar-se, na humanidade se traduz numa esterilidade terminal para a espécie. Os humanos deste fim dos tempos, de longas vidas que culminarão na extinção, adaptam-se como podem. Uns procuram construir antenas de rádio para enviar uma última mensagem para as estrelas, outros naves espaciais para investigar rumores de uma colónia humana em Titã. A sociedade perfeita de um futuro sem escassez começa a desmoronar-se sob pressão de seitas e autoritarismos. Resta ao último homem nascido descobrir a solução para esta crise terminal, procurando um cientista cujas pesquisas poderão tornar a humanidade imortal.
É a capacidade literária de Moorcock que segura este romance que, nas mãos de outros escritores, seria um pastelão patético e ilegível. O notável na história é a minúcia com que Moorcock transpõe para as páginas aquelas visões utópicas e algo elitistas do futuro perfeito dos anos 60, com grupos elegantes de gente próspera e esclarecida, nas suas leves túnicas, a viver em casas luxuosas cheias de tecnologias inimagináveis num planeta verdejante, sem resquícios de pobreza, sobre-população ou outros dos males que historicamente assolaram a humanidade.