terça-feira, 10 de janeiro de 2017
A Nebulosa de Andrómeda
Ivan Efremov (1986). A Nebulosa de Andrómeda. Lisboa: Caminho.
Começa como uma intrigante narrativa de exploração espacial, mas depressa se revela aquilo que é: uma especulação optimista, diria que quase propagandista, que extrapola os conceitos ideológicos da sociedade soviética para propor um futuro idílico, onde o triunfo do comunismo libertou o homem do jugo do capital e do individualismo, as etnias se fundiram numa união global, sem fronteiras geográficas e com os antigos países relegados à memória histórica investigada por arqueólogos que consideram repelente a barbárie do passado industrial. Um planeta alterado pela ciência, que modificou a sua superfície transformando desertos e zonas geladas em oasis para a vida. Uma civilização que explora outros sistemas solares e está em contacto com outras formas de vida inteligente através de um sistema de comunicações via rádio, trocando mensagens didácticas que, mercê dos vastos vazios espaciais, demoram milénios a ser recebidas. Uma rede intragaláctica de civilizações que conhecem a sua existência, mas jamais se poderão encontrar.
Através dos personagens do livro somos levados num périplo à sociedade futura. Acompanhamos exploradores abnegados que trocam a sua vida na Terra pelo tempo subjectivo das viagens sub-lumínicas na vastidão interestelar, explorando planetas e deparando-se com formas de vida alienígena, em missões de pesquisa científica. A ciência terrestre é-nos mostrada por astrónomos e arqueólogos, entre os institutos que emitem e recebem as mensagens da rede de comunicações galáctica, as pesquisas arqueológicas nos vestígios da civilização industrial - a nossa, refira-se, ou dos convénios onde cientistas em grupo decidem as grandes questões da humanidade. Num futuro onde é esperado que qualquer um se dedique a trabalhar em várias áreas, onde um grande cientista, depois de terminar a sua comissão num instituto de pesquisa, pode querer ir trabalhar para minas na antártida, somos por aí levados à superfície de um planeta transformado por empreendimentos de trabalho para o bem comum.
O interessante neste livro é a construção de mundo ficcional desta utopia soviética num futuro distante. Não é uma visão partidarista, ou dogmática. Este futuro não é vermelho, mas incorpora os ideais de comunitarismo, superação do indivíduo, união perante grandes objectivos, progresso através da ciência e tecnologia, domínio do mundo natural e igualdade social que estão na base das utopias comunistas. Efremov transmuta aos seus contemporâneos através da ficção científica os grandes ideais que torneavam a sociedade soviética, mostrando-lhes uma utopia futura quase bucólica que seria o corolário da grande luta social. Efremov não se esquece de incluir um gulag, onde os inadaptados que não se conformam ou se sentem parte da engrenagem social se auto-exilam ou são deportados, embora diga-se que uma ilha paradisíaca onde se leva uma existência pastorícia parece mais agradável do que o inverno siberiano. Depois da leitura, não sei se qualifique o livro como FC no campo das utopias ideológicas, ou propaganda política. Os apelos elementares propagandísticos não estão muito presentes no livro, mas este serve essencialmente como um veículo de transmissão ideológica que ao ser lido, hoje, desperta uma certa ostalgia pelos velhos tempos dos sovietes.