terça-feira, 14 de julho de 2015
Contos do Gin-Tonic
Mário-Henrique Leiria (2007). Contos do Gin-Tonic. Lisboa: Presença.
Cruzei-me, finalmente, com estes textos agora clássicos pertententes a uma variante da literatura portuguesa que, escapulindo-se a normas e sendo subversiva, não fica na sufocante, algo bafienta e nada aversa a modismos memória pública institucional. Mas fica na dos amantes da boa literatura, apreciadores de obras que pisam o risco e saltam para o lado de lá das cercas. Livros marcantes, que se vão encontrando em raras reedições, ou como samizdats alfarrabistas. Sabem o que quero dizer com isto. Aqueles livros esquecidos, se calhar com um grande suspiro de alívio dos meios mais convencionais, descobrimos em papel amarelecido e capa a desfazer-se nos caixotes das lojas de livros antigos.
Estou um pouco rebelde nesta resenha. Enfim. Claramente fiquei sob influência destes contos.
Se há impressão que nos fica ao finalizar a leitura destes deliciosos contos, fragmentos e poemas surrealistas, é a do sorriso perante a ironia corrosiva que os pervade. Algo que oscila entre o simples sorrir com o humor mas chega à caricatura subversiva que, se vista à luz da história portuguesa contemporânea, se compreende como uma reacção aos sufocos do bafiento fascismo de um estado novo prestes a derrocar. Devo dizer que fiquei curioso em saber como é que a primeira edição, de 1973, sobreviveu aos lápis azuis da censura.
Categorizar este livro é algo de impossível, uma vez que saltita entre géneros. Dá até alguns toques na ficção científica. Mas também não interessa categorizá-lo. Vale mais saboreá-lo, acompanhado de golos de gin ou outra bebida igualmente capaz de assaltar os sentidos. E perceber que, tantos anos passados após a primeira edição, a sua capacidade subversiva ainda se mantém actual não pela memória histórica mas por vivermos num momento contemporâneo onde os bafios regressionistas e opressivos de ar respeitável voltaram a afirmar a sua força.