quinta-feira, 16 de abril de 2015
The Long Tomorrow
Leigh Brackett (1962). The Long Tomorrow. Nova Iorque: ACE Books.
Um livro clássico, que aborda um temor muito em voga na FC golden age, especulando sobre um mundo pós-guerra nuclear. Brackett não segue o caminho dos monstros mutantes que se acotovelam nas ruínas radioactivas e dá-nos um futuro pós-apocalíptico quase idílico, de regresso à natureza num mundo que regrediu ao nível tecnológico do século XIX rural. Duas gerações após a guerra entre o ocidente e o leste, não parecem restar traços das ruínas e da radioactividade. A ruralidade deste mundo explica-se pela prevalência das seitas religioas na américa. Após as detonações, as hordes de refugiados sobreviventes tiveram de aprender a viver com tecnologias primitivas, e quem melhor para os acolher do que os fundamentalistas cristãos que durante o século XX rejeitaram a tecnologia industrial e mantiveram vivas as manualidades? É esse o espírito conservador, de apego à terra e a rígidos valores morais, que vai caracterizar a américa deste futuro distópico, que rejeita o mundo, abomina a tecnologia, mantém limites legais ao crescimento das localidades para que não regressem as odiadas cidades, e restringe o acesso ao conhecimento sob a égide do temer a deus.
Fazemos o périplo pelas paisagens idílicas habitadas por fervorosos zelotas através da história de dois primos, Len e Esau, cuja curiosidade pelo que seria um mundo com tecnologia e vontade de descobrir a verdade que intuem por detrás das explicações oficiais piedosas os levam a abandonar a comunidade em busca daquela que imaginam ser a última cidade moderna. Fazem-no a partir de lendas que se ouvem de homens que rejeitam a vida rural piedosa e fazem a apologia dos antigos modos de vida. E, de forma sacrílega, usam tecnologias. Esses homens existem e vivem ocultos como comerciantes, assegurando um fluxo de matérias primas para uma localidade que de facto existe, resquício de uma das muitas instalações secretas subterrâneas onde um grupo de cientistas mantém viva a chama da proscrita energia nuclear para alimentar um computador.
Vários aspectos sobressaem desta leitura. Brackett avisa-nos que o trauma da loucura militarista poderá ser o rejeitar da tecnologia e o regressar a um primitivismo alicerçado na tacanhez teísta. Mas é igualmente impiedosa com o dogmatismo científico. Os seus personagens terão de escolher entre o futuro bucólico mas retrógrado e o futuro tecnicista ameaçado, e qualquer das escolhas será amarga. A opressão é a constante, sinalizando a bonomia das tiranias utópicas. Não há monstros mutantes nem paisagens devastadas pela radioactividade nesta clara distopia pós-apocalíptica. O horror aqui é o da regressão, o desconstruir das conquistas da ciência e do humanismo pela necessidade de sobrevivência catalisada através de dogmas religiosos mas também a incompreensão trazida por visões elitistas de progresso.
Um pormenor intrigou-me. Não a cidade utópica que se resume a uma base subterrânea já não muito secreta que abriga uma poderosa mainframe e o seu reactor nuclear, que deixa um dos personagens em conflito mental pela sensação diabólica de estar perante uma máquina que pensa, apesar de todas as explicações em contrário. Brackett aqui seguiu o caminho mais rigoroso de entender o computador como máquina computacional e não cérebero artificial. Intrigou foi um pequeno detalhe. A limitação constitucional que impede que as localidades cresçam a partir de um certo limite, que de forma elegante Brackett mostra como uma norma de planeamento urbano de defesa atómica (evitar concentrações populacionais e incentivar a dispersão como forma de diluir possíveis alvos de mísseis) se transforma em dogma político-religioso, com direito a linchamento às mãos de piedosas hordes para aqueles que se atrevem a afirmar que, quase um século passado após a vitória na guerra atómica, está novamente na hora de abrir as portas ao progresso. Fascinante, este toque de urbanismo, detalhe elementar do mundo ficcional desta distopia da bonomia.