quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Leituras


Fairy Tale No More: Doctor Who is a Science Fiction Show Again: Sim, é. Não é ficção científica muito realista ou plausível, assente em factos e possibilidades, mas o espírito inquiridor e a especulação tecnicista são o que está a caracterizar esta época da série Doctor Who. Este novo doutor é inquisitivo e não cessa de colocar hipóteses sobre tudo o que lhe vai acontecendo. Não há magias de poder incomensurável de timelord ou acenar da sonic screwdriver como se fosse uma varinha mágica. Também ajuda o facto de Capaldi não ser nem de longe um prototípico cavaleiro de fantasias encantadas para derreter tenros corações femininos (Tennat e Smith eram-no, claramente). Irascível, irritante, manipulador e capaz de sacrificar aqueles com que se cruza na busca incessante para compreender aquilo que o intriga. E, pormenor muito importante: usa um fato de astronauta. Porque o espaço é árido e inclemente para a vida, e não há bolhas de gravidade projectas pela TARDIS ou acenares de sonic screwdrivers que gerem campos protectores que permitam aos personagens caminhar pelas superfícies alienígenas de calções e t-shirts. Para mim o assumir de carácter FC da série topou-se em Listen, com as incessantes premissa-hipótese vocalizadas pelo Doctor, e afirmou-se de vez em Kill The Moon. Não pela referência a explorações lunares privadas, elegia pelos sonhos adormecidos de exploração espacial ou usar fatos de astronauta. Por em plena Lua ter começado a brincar com um yoyo enquanto perguntava what's wrong with my yoyo repetidas vezes. Até os mais distraídos espectadores perceberam que na gravidade lunar um yoyo nunca se moveria daquela forma. Tem sido interessante observar esta firmeza da oitava época no campo da FC, mas convém referir: Doctor Who atrai precisamente pela sua inocência, pelas bizarrias excêntrica de uma profunda britishness, pelo equilíbrio constante entre infantilidade e complexidade que mantém de forma frenética. E, suspeito, por um profundo e assumido sense of wonder feito de entusiasmo, implausibilidades e excentricidade, algo que a FC que se quer mais complexa e profunda já não se atreve a fazer.

The Great 1952 Space Program That Almost Was: O io9 recupera a lendária série de artigos escritos por Willi Ley para a Collier's, detalhando uma plausível exploração do espaço. Contando com a colaboração de grandes nomes da astronáutica, legou-nos as visões precisas de Chesley Bonestell a ilustrar conceitos de Wernher VonBraun. Ainda hoje deslumbra pelo seu optmismo de pura rocket science e pela beleza das imagens. O link já é antigo mas vale a pena recordar. Infelizmente o título Man Will Conquer Space Soon! não passou de um sonho de optimismo alimentado a tecnologia de foguetões.

Transrealism: the first major literary movement of the 21st century?: Terá Damien Walter, a escrever para o The Guardian, descoberto a pólvora? É que já tínhamos notado o interesse e o talento que explora a zona difusa de fronteira entre a literatura entendida no sentido clássico e os géneros de ficção científica, horror e policial. Como bem sabemos a culpa foi do Borges, que permitiu aos senhores da literatura séria assumirem o prazer culposo das literaturas fantásticas, e depois do Garcia Marquez que até ganhou o estatudo de realista mágico. E sim, nos últimos anos as literaturas de fronteira, que mesclam elementos de forma fluída têm ganho interesse e obras talentosas. Walter não está a afirmar nada de novo. Já se falava no realismo mágico, no slipstream, no new weird, e o cronista recupera a visão de Rudy Rucker com a noção de transreal. O que é importante é que Walter o afirma, e nas páginas do jornal The Guardian. E nesta afirmação brilhante mostra-nos o porquê destas ficções fluídas de fronteira serem tão intrigantes e mexerem com os leitores: "Both sci-fi and realism provide a measure of comfort – one by showing us the escape hatch from mundane reality, the other by reassuring us the reality we really upon is fixed, stable and unchanging. Transrealism is meant to be uncomfortable, by telling us that our reality is at best constructed, at worst non-existent, and allowing us no escape from that realisation"