quarta-feira, 1 de janeiro de 2014
Coração de Corda
Carina Portugal (2013). Coração de Corda. Smashwords.
Confessa a autora que esta é a sua primeira incursão na estética steampunk. Nota-se, confesso eu, leitor. E nota-se porque a iconografia o género não é a nota dominante do conto, apesar de assumir uma devida importância no final. Normalmente as obras steam socorrem-se do barroquismo visual possibilitado pela estética neo-vitoriana dos engenhos mecânicos a vapor (ou edwardiana aeronáutica, belle époque com mecanismos, fin de siècle com aparelhos voadores a carvão, se quiserem maior especifcidade). Este Coração de Corda foge a esta tendência. Os elementos estão lá: vislumbres de autómatos clockpunk, o inventor de espírito solitário mas com companheiros fieis, a cidade novecentista onde a arquitectura ao gosto do barão Haussman colide com engenhos a vapor e dínamos(lamento, mas os boulevards parisienses que se ergueram sob a antiga cidade medieval, arrasada para facilitar a deslocação das forças que mantinha a ordem na ponta da baioneta e que deram à cidade-luz aquele tom burguês é a minha imagem mental na estética urbana steampunk). Junte-se a isso o brilho do teatro e a iconografia de corações mecânicos e estão estabelecidos os ingredientes do conto.
A história é bastante directa e bem ritmada, com um inventor que é atraído pelo encantos de uma bailarina do teatro e que, ao tentar conhecê-la melhor, vai deparar com uma conspiração para levar a cabo um atentado na cidade. Conhecê-la, mas não dessa forma, porque a autora faz notar uma atitude muito contemporânea no que toca à sexualidade e não tem medo de criar personagens que se desviem do padrão convencional. Sem o saber, o inventor é envolvido pelos conspiradores que planeiam usar as suas delicadas caixas de música para despoletar bombas que irão destruir os dínamos a vapor que alimentam de energia a cidade. A bailarina é a peça-chave da conspiração, oculta por detrás do brilho das luzes da ribalta de uma companhia de teatro. Mas não é uma criminosa, sendo manipulada pelos terroristas, e no final vai-se revelar uma preciosa ajuda para derrotar a conspiração. Spoilers, dears: é neste final que se sente mais o carácter steam/clockpunk do livro, com o inventor a ceder o seu coração mecânico para salvar a bailarina e, por sua vez, ser salvo pelo engenho do seu empregado que se socorrer de um coração rudimentar para insuflar vida no abnegado inventor.
Esta primeira incursão de Carina Portugal no steampunk deixa-nos com vontade de que não se fique por aqui e haja outras experiências. Sente-se que as capacidades de narrativa poética que caracterizam o seu trabalho não estão aqui muito presentes, denotando que a preocupação foi a de criar um primeiro conto steam com coerência interna mas com alguma incerteza de como o desenvolver dentro do seu registo pessoal. Se persistir, certamente que conseguirá trazer a elegância da sua sensibilidade literária para o género, o que será muito interessante. A voz literária da autora caracteriza-se por uma forte veia poética que, sublimada com a elaborada iconografia steampunk, poderá resultar em excelentes leituras.