Quatro leituras de Nathaniel Hawthorne, escolhidas por Eric Rabkin, tutor do mooc Fantasy and Science Fiction: The Human Mind Our Modern World. Quatro exemplos do conto fantástico do século XIX, traindo um medo e preocupação com as consequências do progresso científico, e uma aversão à dedicação autista à investigação, sempre vista como algo do qual podem advir perigos ignorados, que não encontra reflexo nas atitudes similares do artista. Visão romântica, que espelha um medo que ainda hoje se sente pelas consequências do progresso, visível nas preocupações expressas sempre que se reflecte sobre novas tecnologias. Quanto ao mooc em si, deixem-me dizer que está bastante abaixo das expectativas que cria. Academicamente é muito bom, mas perante o tema e a nossa contemporânea modernidade tecnológica esperamos algo mais acutilante que não nos é transmitido num curso centrado sobre a tradição romântica dos séculos XVIII e XIX. Se esperam leituras que forcem reflexões sobre futurismo alastrante e o papel da tecnologia na contemporaneidade, este mooc não é para vós. Mas é interessante como abordagem que aprofunda conhecimentos sobre a evolução histórica das literaturas do género fantástico.
Dr. Heidegger's Experiment: Um cientista intrigado convida para uma experiência quatro idosos, vencidos pela vida e cheios de mágoas do passado. Uma viúva de reputação arruinada e beleza fenecida, um mercador falido, um militar de saúde arruinada por uma vida dissoluta e um político corrupto bebem um líquido que, de acordo com o Dr. Heidegger, é água recolhida na mítica fonte da juventude e terá o condão de lhes restituir a juventude há muito perdida. Animados pelo regresso da vitalidade aos corpos, bebem e percebem que realmente o líquido lhes faz efeito, embora temporário. As mágoas dos erros do passado são depressa esquecidos e os novos jovens depressa regressam aos velhos hábitos. Guerreando pela atenção da agora bela viúva derrubam o barril de elixir da vida. Regressando aos achaques da velhice, decidem partir em busca da mítica fonte e reconquistar a juventude perdida. Atónito, ou consolado pela certeza, o Dr. Heidegger observa que se acreditamos que a experiência nos traz sabedoria a hipótese de um regresso passado, por temporária que seja, nos leva a cair novamente nos erros de sempre.
The Birthmark: Um cientista afortunado casou com uma mulher perfeita, de rara beleza e personalidade. Mas algo o incomoda, uma pequena imperfeição que com o passar do tempo, o obceca: um sinal mínúsculo a perturbar a beleza do no rosto da mulher. Dotado de grandes conhecimentos de ciências e medicina, dedica o seu saber a procurar tratamentos que eliminem o sinal e completem a perfeição da esposa. Finalmente é bem sucedido, mas após se alegrar com o desaparecimento da marca assiste, impotente, ao falecimento da esposa desprovida de força vital. Buscar a perfeição total a todo o custo traz como preço a perda daquilo que mais se ama.
Rappaccini's Daughter: Um jovem estudante de medicina apaixona-se pela filha do obscuro Dr. Rappaccini, que entrevê da sua janela a passear por um estranho jardim repleto de flores letais. É avisado por um amigo mais experiente para se afastar, dada a reputação do Dr. Rappaccini para experiências macabras advinda da completa falta de respeito para com os seus pacientes. Para este cientista mais vale um grão de conhecimento adquirido do que uma vida salva. Talvez, dizem ao jovem estudante, esta paixão seja mais uma elaborada experiência do infame cientista. Mas o amor é cego e a paixão fala mais alto, mesmo quando o jovem contempla a sua amada a colher alegremente flores cuja seiva mata instantaneamente animais e insectos. São as flores a chave da experiência. Isolada no jardim, a jovem filha do doutor adquiriu resistência às toxinas letais mas é ela própria flor de estufa, incapaz de passar além dos limites do jardim. A paixão do jovem estudante vai-o aproximando da beldade e adquirindo imunidade às toxinas, mas a revelação da verdade leva-o ao desespero.
The Artist Of The Beautiful: Um jovem relojoeiro vive de tal forma obcecado com as suas intricadas construções mecânicas que esquece tudo à sua volta. O negócio que o sustenta desfaz-se e a rapariga que é a sua paixão de infância casa-se com um ferreiro. Os altos e baixos da vida e a desconfiança dos vizinhos não demovem o relojoeiro do seu implacável ritmo de trabalho. Rejeitado pelos pares, vendo a mulher que ama nos braços de outro homem, apesar de tudo o relojoeiro sorri. E um dia dá ao jovem casal uma prenda que apenas uma criança consegue apreciar: uma intricada borboleta mecânica, simulacro quase perfeito de vida. Todos acham a criatura bela mas inútil, admirando o engenho do relojoeiro enquanto o aconselham a aplicar as suas capacidades a criações mais práticas e lucrativas. A intricada borboleta mecânica acaba desfeita pelas mãos inquisitivas da criança. Apesar de tudo o relojoeiro sorri. Está feliz porque foi capaz de com perserverança criar algo de belo e perfeito, tão belo e perfeito que as pessoas comuns admiram mas são incapazes de compreender. O conto é uma metáfora do trabalho do artista que cria, essencialmente, para responder às suas pulsões interiores e se mantém criador e livre face às pressões externas e à incompreensão dos que o rodeiam, com uma simpática dose ao estilo século XIX de especulação sobre a simulação mecânica da vida.