Três horas fechado dentro da sala de cinema é doloroso. O filme recria fielmente uma história demasiadamente bem conhecida, esticada ao pormenor. Os cenários parecem reciclados da trilogia Senhor dos Aneis, e se calhar são-no. Há que manter os algoritmos de CGI da Weta a trabalhar, e daqui vem possivelmente a única lufada de ar fresco do filme. A iconografia está fiel ao original, ou pelo menos às ilustrações clássicas que se tornaram o marco visual das palavras de Tolkien. A fotografia deslumbra em ambientes fabulosos, cenários fantásticos que enchem o olho com infindos pormenores e um CGI espantoso mas que estranhamente não utiliza fluídos. Neste filme, se cortarem um monstro (e há tantos para decepar, estripar, esfaquear, espadeirar ou outras acções envolvendo lâminas e carne) ele não sangra. Estará Peter Jackson a penitenciar-se dos litros de sangue que eram apanágio de filmes como Braindead?
A imagem de alta resolução a 48fps dá um desconcertante ar hiperreal às cenas e quando há movimento a percepção visual não consegue decidir para onde olhar. Percebe-se a diferença de texturas entre próteses e o rosto do actor pela ausência de poros perfeitamente visíveis em alta resolução, que também não é caridosa com a texturização das criaturas animadas em 3D. A definição exposta no ecrã é implacável com imperfeições naturais ou recriações virtuais cujo realismo induzido não é o suficiente para enganar a percepção visual. Os famigerados 48 fotogramas funcionam muito bem nas paisagens estonteantes da Nova Zelândia, melhoradas pelos efeitos digitais. Aqui o filme parece um longo anúncios de três horas às ilhas dos antípodas, finaciado na esperança que o fim da crise traga turistas às paisagens agrestes dos rochedos dos mares do sul.
O filme está fiel ao texto e à iconografia das ilustrações dos livros. Este é o truque inteligente que Jackson utilizada nesta sua tentativa épica de criar a versão cinematográfica definitiva do universo da terra média. Se esta fidelidade garante que o filme se mantenha firmemente no universo conceptual de Tolkien o diferencial entre narrativa fílmica e narração literária arrasta o filme. Aliás, os filmes, porque há que incluir aqui a trilogia do Senhor dos Anéis, as partes em falta do Hobbit e se calhar o Silmarillion ou os Contos da Terra Média. Confesso que a ideia de ver o Silmarillion adaptado provoca arrepios com a promessa de vastas batalhas a encher o olho, epidemias de poses heróicas e narrações de grandiloquente tédio. Não se fala nisso mas é uma conclusão lógica do trabalho de um realizador que se meteu com a obra de Tolkien. Hobbit, anéis... porquê parar aí?
Entretanto, cortesia dos inconscientes colectivos alimentados pelo gosto da cultura popular pela novidade, a Wired publica uma visão muito boa sobre a desilusão que o filme provoca nos espectadores. Resume-se à dissonância entre o tom original de um livro infantil, simples e despretensioso, e o gravitas que Jackson lhe tenta conferir para entrar no tom da trilogia dos anéis. O Hobbit é uma história simples, de peripécias e aventuras. Os anões são intencionalmente cómicos e Gandalf é mais um trapaceiro ilusionista do que o personagem trágico em que se irá tornar. Mas isso não chega para o realizador, que tenta conferir um peso trágico à obra. Os momentos dramáticos são levados ao excesso, as peripécias são levadas ao extremo de batalhas épicas. Outra crítica certeira do artigo prende-se com o sentimento de filme enquanto videojogo. Na verdade, toda a parte da fuga das cavernas dos goblins está filmada como se fosse um jogo de plataformas hiperquinético. E como o filme tem cogumelos podemos sempre pensar num estilismo super mario vs. prince of persia. Mas não consigo deixar de sentir esta referência enviesada pode ser uma piada elaborada, uma metáfora da influência de Tolkien na cultura de jogos. O que realmente faz este filme falhar é a sua tentativa de insuflar drama numa história infantil, que o transforma numa obra oca.