sexta-feira, 23 de novembro de 2012
Brasyl
Ian McDonald (2007). Brasyl. Amherst: Pyr.
Três narrativas em três realidades de um Brasil alternativo colidem numa revisitação de ideias sobre a virtualização do universo. Num presente decalcado dos piores pesadelos mediáticos uma hiperactiva agente de um canal televisivo com queda para o ritualismo da capoeira dá tudo por tudo para conseguir audiências. Ao investigar um personagem de um momento-pivot da história recente do país acaba envolvida num conflito que ultrapassa as fronteiras do que julga ser a realidade.
Num passado ucrónico um padre jesuíta irlandês chega a um Brasil setecentista onde os animais de tiro extinguem-se por doença para punir um membro transviado da ordem, que está a cinzelar um pequeno império de fé, ferro e fogo nas entranhas da Amazónia. Acompanhado por um cientista francês desce o rio rumo à escuridão e a uma colisão com um padre louco que utiliza os membros de uma tribo isolada para perscrutar as maquinarias do universo. Vítima sacrifical, o jesuíta sobrevive e organiza uma comunidade utópica na floresta. A capacidade de visitar infinitas instâncias de realidades alternativas transforma-o num deambulante entre realidades paralelas. Neste passado ficcional McDonald faz uma tortuosa referência aos mitos de Hy-Brasil, reforçado pelo personagem polimata do jesuíta irlandês enviado de Portugal como um S. Brandão setecentista.
Num futuro próximo um jovem desenrascado tenta singrar no turbilhão da favela. Neste futuro Brasil todos os objectos têm identificadores rfid, as queixas policiais são entregues a empresas que apresentam propostas de baixo custo em tempo real e a cidade é vigiada constantemente por uma rede de aeronaves robóticas. Neste caldeirão cultural o jovem apaixona-se por uma cientista de computação quântica especializada em crackar códigos de identificação com algoritmos complexos perscrutando realidades paralelas. Ela morre, e dá-se a aparição de uma sósia, contraparte fugida de uma outra realidade que revela a razão por detrás das histórias paralelas e uma guerra entre facções que pretendem manter oculto o segredo da multiplicidade de realidades.
Uma fascinação com a visão de um Brasil misto de turbilhão de cultura exótica e favela chic coexiste com uma intrigante visão de uma modernidade futura hiper-liberal e um olhar crítico sobre o colonialismo através das injustiças ficcionadas no passado que mimetizam o espírito de No Coração das Trevas de Conrad. O cerne do livro, o conceito de realidades alternativas, é fortemente ambíguo. Há uma indecisão, talvez deliberada, sobre o conceito. Realidades que se dividem a nível quântico, múltiplas bifurcações das teias das linhas de tempo, experiência shamânica acessível graças às toxinas de uma espécie de sapos tropicais, ou simulações indistinguíveis do real a correr no computador quântico nos tempos finais de um universo colapsado pela entropia, vivendo infinidades de tempo no horizonte de acontecimentos de uma singularidade final. Três possibilidades que Ian McDonald equilibra num livro que apesar dos conceitos que despertam a imaginação e da solidez da tríade narrativa se arrasta e perde-se no deslumbramento com uma certa ideia de exotismo terceiro-mundista.