Fervem nas auras zumbidos ominosos. Ergue-se de envolta ao ataúde crassa poeira ardente, que flutua fúlgida, e ténue se dilata. E em seus nichos entumecem as imagens dos santos, solfejando com as bocas de pedra, ou de madeiro, cantos eróticos de loucura e ebriedade.
Do conto A Febre Do Jogo (p. 45), in Álvaro do Carvalhal (2004). Contos. Lisboa: Assírio e Alvim.
Que prosa é esta, misto de gongórico com literatura gótica? E achava eu que Lovecraft era complicado a escrever. Nada mau este primeiro embate com a obra de Álvaro do Carvalhal. Obra curta, graças a uma vida igualmente curta. É intrigante o misto de horror gótico e exacerbamento de emoções. A edição que tenho é de 2004 (e continuo a treinar as normas APA, isto é como andar de bicicleta mas convém manter a rotação). Os contos de Contos foram sendo editados em publicações periódicas entre 1863 e 1867, coligidos pela primeira vez em 1868. Com uma temática dentro do género fantástico, obra curta e um hábito de ferir sensibilidades, não surpreende que este escritor seja uma nota de rodapé vista de soslaio pelo cânone literário. Para aqueles cujo gosto literário não se esgota nos ditames das academias, fica para descoberta uma obra intrigante. Mais não digo, porque julgar um livro pelo primeiro conto é prematuro. Mas a fasquia é muito alta.