Somos atirados de chofre para um mundo fantástico, de seres plenos de sabedoria que se movem em paisagens surreais. Habitantes de zonas de transcendência, têm como fraqueza a consciência da sua perfeição. Contemplam e inquirem, olhando a gota que cai e desdenhando o mundo sujo dos humanos que os invadem de surpresa sob a forma de um casal que surge do nada.
O surrealismo fantástico do mundo exterior idealizado dilui-se numa história clássica no cinema, onde um homem e uma mulher se apaixonam. Ela, inspectora de seguros incapaz de ter relações duradouras e que se vê a passar um natal a investigar um desaparecimento numa localidade do interior. Ele, professor de história no liceu local, num casamento sem amor e apaixonado pelas lendas e mistérios de um tesouro acessível apenas durante fugazes momentos na meia noite da consoada. A lenda invade a realidade e o casal descobre-se, em vários sentidos do acto, encerrados no interior secreto de um castelo por onde entraram através de uma porta que se abre ao bater das doze badaladas da meia noite.
Neste filme há uma cena que me assombra o pensamento: durante as doze badaladas, no interior da câmara secreta é-nos dada uma visão de riquezas e um livro prometendo sabedoria, que logo desaparece assim que o toque de sino deixa de ressoar. Esqueletos deitados no caminho para a câmara que encerra as riquezas estendem as mãos, inutilmente. As riquezas desaparecem, fugazes, e o verdadeiro caminho da sabedoria é o encetado pelas personagens do filme através da caverna que os levará a um outro mundo.
Intrigante exemplo da incursão do fantástico e sobrenatural no cinema português, este é um filme que se distingue pela colisão de linhas narrativas - o mundo ideal, a lenda, o real, a história de amor, o mistério do desaparecimento de um homem, as histórias individuais das várias personagens que se cruzam na película, filmadas com os inagualáveis sentidos de enquadramento e cromatismo que caracterizam a obra de António de Macedo.