segunda-feira, 30 de maio de 2011
Plug & Pray
Exibido na iniciativa Realidades Virtuais do Goethe Institut em Lisboa, este documentário coloca em contraste duas visões opostas do futuro da computação, robótica e inteligência artificial. De um lado, o cepticismo humanista de Joseph Weizenbaum, uma das lendas da informática e precursor da inteligência artificial que se desencantou com o campo quando percebeu que as suas investigações alimentavam utopias profundamente desumanizantes. Em absoluto contraste, o ciber-utopismo extropiano de Ray Kurzweil, que não hesita em antever e procurar um futuro próximo onde o ser humano se fundirá com as máquinas que cria. Estas visões servem de baliza conceptual para uma observação de campos de tecnologia robótica de ponta: o projecto europeu de robot humanóide iCub, projectos alemães de veículos robóticos militares e, naqueles que são os momentos de puro uncanny valley do documentário, a investigação japonesa em robótica e os seus andróides realistas.
Enquanto o iCub é retratado como uma espécie de infância da robótica autónoma, aspecto reforçado pelo visual infantil dado ao robot, o retrato dos veículos autónomos alemães procura as questões éticas de linhas de pesquisa directamente relacionadas com militares. Do japão vem uma terceira visão, distante das dualidades ocidentais herdeiras da tradição maniqueista judaico-cristã. Numa nação cujo património religioso imbui de espíritos objectos inanimados, a mimetização mecânica da vida não é vista como um problema filosófico.
Kurzweil é neste documentário igual a si próprio, identificável por quem segue o seu blog, Kurzweil AI. Futurista extropiano, defensor da singularidade e um dos mais destacados proponentes da extensão da vida humana através da conjugação de áreas científicas que vão da inteligência artificial à biomedicina, Kurzweil defende os seus pontos de vista num quadro utópico onde o computador, a robótica, a medicina e a inteligência artificial potenciam um novo estado evolutivo da humanidade.
Mas Weizenbaum recorda-nos, através do seu cepticismo, que por interessantes e intrigantes que sejam as potencialidades da tecnologia, nela reside o perigo da desumanização. Descontente com as ciber-utopias, avisa-nos sobre a objectificação do ser humano reduzido a mais um elemento num futuro ecossistema biotecnológico. Parece futurismo, mas as sementes deste futuro potencial estão já a ser semeadas nos laboratórios e centros de pesquisa avançados. É pungente ver Weizenbaum a demolir o argumento que a robótica poderá ser um precioso auxílio para uma população envelhecida com um subtexto que questiona o tipo de pessoas seremos quando recusamos a nossa presença aos idosos e a trocamos por frios mecanismos biomiméticos.
O ciber-futuro, robótico e digital é inescapável. A internet embebeu-se totalmente nas nossas vidas e sociedade. Dos veículos que circulam na estrada aos sectores militares, a robótica já se entranhou no quotidiano. O impacto transformativo destas tecnologias levanta questões éticas sobre a sua utilização e filosóficas sobre o que significa ser humano num futuro hipertecnológico. Fascinandos pela tecnologia, estaremos a perder o sentido de humanismo?
Se Kurzweil desperta o interesse ao predizer que dentro de vinte anos os computadores mimetizarão a totalidade da inteligência humana, é o aviso de Weizenbaum sobre a objectificação do humano que leva a reflectir.