quarta-feira, 1 de setembro de 2010

F***

Começo a pensar que a minha geração está fodida. É essa a palavra, ofenda a quem ofenda. Para a geração dos nossos pais o corrente nível de prosperidade é algo de inimaginável. Crescendo no portugal pobre e ruralizado, a sociedade de abundância contemporânea poderá ultrapassar todos os seus sonhos. Coisas que consideramos banais, como ser proprietário de um imóvel ou veículo, eram impossíveis para a maioria da população há poucas décadas. Quanto ao estudar e melhorar-se como indivíduo, isso só parecia estar ao alcance de uma reduzida elite.

Crescemos por isso estimulados a aproveitar a cada vez maior abundância. Crescemos estimulados a sonhar com um futuro melhor, a ter grandes aspirações.

Agora vemo-nos perto da meia idade e sentimos que os nossos sonhos não só não foram conquistados como serão impossíveis de conseguir. O sonho de um emprego gratificante transforma-se no pesadelo dos empregos instáveis, mal pagos, onde o brio e profissionalismo significam na verdade uma competição cega pela sobrevivência. O sonho da casa transforma-se no pesadelo das dívidas quase impagáveis, de vidas penhoradas a instituições bancárias. O sonho de gozar a abundância transforma-se na amargura de se saber que o dinheiro nunca chega, muitas vezes para apreciar os prazeres mais simples. O sonho do amor dissolve-se numa constante corrente de divórcios e separações. O sonho do sucesso individual dissolve-se na consciência de que não passamos de rostos na multidão.

E eis-nos entre os trinta e os quarenta anos, de vidas destroçadas pela inquietude com a desolação dos sonhos perdidos, das aspirações dissolvidas, da angústia dos amores que eram para sempre mas já não o são, à deriva entre psicólogos e medicação que nos ajude a calar a dor e a tristeza que tomou conta de nós. Acordamos um dia, no meio do que nos parecia ser a vida perfeita, e vemos que não chega, que estamos vazios e amordaçados, irremediavelmente presos e sem hipótese de libertação.

Fomos a geração que ousou sonhar, e está a pagar o preço amargo da ousadia.