sábado, 13 de agosto de 2005

Dia Seguinte

Teria muito que escrever aqui mas a dor de cabeça que me atravessa o cérebro não mo permite. É uma daquelas dores que se assemelha ao atravessar do tecido cerebral pelo gume de um espigão afiado de monofilamento carbónico. Poderia ser mais reponsáve; já não tenho idade para andar a fazer estas figuras de dia seguinte. Dor de cabeça, tonturas, estômago perfeitamente avariado, sensação geral de destruição iminente dos sistemas inteligentes, fígado sobrecarregado. Enfim, ressaca.

Já tenho idade para ter juízo. Ando a querer evitar ser um cabrão de um trintão, com todas aquelas emoções ligadas ao assentamento nas profundezas da normalidade suburbana (exurbana, no meu caso específico) de pequena burguesia, e depois faço destas. Catarses induzidas pelo alcool. O pior da ressaca é este sentimento de auto-recriminação que me leva a escrever estas lamechices e, ainda por cima, a colocá-las online. Versão pós moderna com laivos de futurismo daquele sentimento de fui um menino que me portei muito muito mal vá lá dá lá mais uns açoites sim sim ai que fui um menino mesmo muito mal comportado.

Garanto-vos que os meus fétiches não andam por esses lados. Visões de mulheres dominadoras em ténues lingeries de couro negro brandindo chicotes e pingalins não são própriamente a substância dos meus sonhos molhados.

Andava eu prontinho para dar um ar intelectual, com uma crítica ao Kafka Desiste! de Peter Kuper, mas não dá. Hoje o cérebro não vai lá. Hoje o cérebro está demasiado embrenhado em labirintos kafkianos para conseguir realizar qualquer coisa construtiva

Estas festas anuais da vila da Ericeira estão a fazer-me mal. Nestas últimas noites, tenho consumido demasiada cerveja para continuar a assegurar o bom funcionamento dos meus sistemas. Depois dá nisto. Ressacas e agressões a incautas máquinas de tabaco. Não fosse eu ateu, e teria de pedir ajuda à senhora da boa viagem.

Falando na senhora da boa viagem, espero que este ano o tempo permita que a procissão se realize na baia da praia dos pescadores. Há anos que não vejo a procissão. Ela realiza-se todos os anos, mas ainda era menino aquando da última que vi, naquelas férias douradas da minha meninice. Ainda hoje surgem na minha mente fragmentos das memórias desses tempos. Planeio estar lá, de máquina fotográfica preparada, e sóbrio.

Sóbrio. Eis uma promessa que talvez me seja difícil cumprir... sentimentos mistos atravessam-me a alma. Estás de férias, penso eu, enquanto seguro o copo. Tens trinta anos, queima lá uns últimos foguetes de irresponsabilidade antes que as marés da normalidade te levem. Que se lixe, penso, a vida está demasiado atravancada por contas a pagar e problemas a resolver. Vai uma fuga induzida pelo alcool? Quando o tecido intricado da vida quotidiana se torna demasiado àspero, vai um copo?