Mário Freitas, Lucas Pereira (2024). O Homem Que Sonhou O Impossível. Lisboa: Kingpin Books.
Confesso a minha ignorância. Achei bizarro o formato desta edição, até descobrir nas suas notas que homenageia um formato gigante clássico dos comics. Um pormenor que mostra até que ponto vai a fundo esta homangem de Mário Freitas ao grande Jack Kirby. O editor, autor e lojista da mais bonita e inteligentemente gerida loja de BD em Portugal é há muito um admirador confesso da obra de Jack Kirby, especialmente na sua vertente clássica. Este livro é uma ode à personalidade do criador, embora criada em tom metafórico. As referências não são diretas, mas óbvias para quem conhece a história dos comics.
Estamos num lar de terceira idade, onde um antigo criador chamado Jack King (e Lirby sempre foi apelidado como um dos reis dos comics) partilha com um assistente as suas histórias e imaginário. O assistente é, também, uma homenagem ao colorista Mike Royer, recordando que no mundo dos comics o trabalho se faz em equipe, e o trabalho dos que aplicam a cor nos desenhos é demasiadas vezes esquecido. O lar é partilhado com outras personalidades que os conhecedores de comics depressa reconhecem como grandes nomes - pensem Steve Ditko ou Wally Wood, e há um confronto de ideias entre a pureza do criador e as pressões comerciais. Sente-se que talvez haja razões legais para tanto nome metafórico - não é boa ideia falar mal de Stan Lee, mesmo que seja para mostrar que sempre se apropriou indevidamente do trabalho de Kirby para proveito da Marvel, e também não é boa ideia falar da banalização extrema trazida pela Disney e a sua diluição dos comics em infindas e entediantes sagas cinematográficas.
A história de Kirby e dos comics está neste livro, a homenagem quer ao criador quer à golden age é profunda, bem como as críticas diretas ao comercialismo excessivo de Lee e da Marvel. Registo também o enorme rigor de planificação da BD, nada nos painéis foi deixado ao acaso. Não surpreende, dado o profundo conhecimento que Freitas tem das técnicas de BD, e o ilustrador Lucas Pereira acompanha bem o ritmo. Não posso deixar de destacar o painel final, séria e sincera homagem que mostra a profunda influência cultural do imaginário e estética de Jack Kirby.