Luís de Mesquita (1957). Mensageiro do Espaço. Lisboa: Edições Sampedro.
Visitei recentemente a nova loja da Castro e Alves na Almirante Reis, mesmo em frente à Kingpin Books. É um espaço amplo que se está a encher depressa de livros antigos, como bom alfarrabista, mas faz concessões às estéticas instagramáveis com zonas arejadas bem decoradas. Não é uma crítica. O espaço é agradável, e o acervo enorme. Tem de tudo para todos, e um forte acervo de livros em línguas estrangeiras. Com sou daqueles que me rendi aos alfarrabistas para encontrar curiosidades ou livros antigos que me despertam a atenção (particularmente nas vertentes de história, ficção científica, futurismo, informática e literatura), encontrei nos escaparates muita variedade, e inevitavelmente boas curiosidades, a bom preço.
Esta foi uma delas. Do que conheço sobre a história da FC em português, não me recordo de menções a este autor. Ignorância minha, certamente (este artigo no Baú da FC fala-nos deste, e de outros livros de FC clássicos). Mensageiro do Espaço é uma daquelas raridades curiosas, um romance de ficção científica escrito por Luís Mesquita, editado numa série de livros dedicados à aventura e romance por uma editora hoje desaparecida.
Peguei no livro sem esperar muito dele. Se o livro é obscuro, haverá razões para isso, se bem que quando se trata de FC em português a própria pertença ao género garante o esquecimento. Fui surpreendido pela leitura. Não uma obra fabulosa mas esquecida, é até um livro muito corriqueiro, algo banal e datado das suas temáticas, mas não deixa de ser uma sólida obra de ficção científica, na forma como se entretece e especula.
A história é-nos contada por Carlos, um cientista amador que prefere viver em relativo isolamento numa quinta na serra de Aire, a fazer observações celestes. E é mirabolante no seu alcance. Conta como, durante uma noite de observação, viu o que lhe pareceu ser um meteorito a cair nas proximidades. Ao investigar, depara-se com os destroços de uma nave alienígena, e ajuda o seu tripulante a salvar-se. Começa aqui uma aventura-périplo vivida pelo personagem. O alienígena revela-se ser um humano do planeta Vénus, observador que faz parte de uma missão das humanidades venusiana e marciana unidas, que vigiam com preocupação o desenvolvimento da civilização terrestre enquanto aguardam a oportunidade de nos trazer para o seio das humanidades do sistema solar.
Notem que não escrevi que é boa ficção científica, daquela que equilibra o questionar científico com a narrativa, apenas que é um livro interessante na sua abordagem.
Segue-se a inevitável visita à civilização venusiana, a aceitação do terrestre como um proto-embaixador planetário, que seduz a elevada sabedoria das civilizações alienígenas com a sua capacidade moral e gosto pelo conhecimento, precisamente as qualidades que creem faltar à humanidade. Somos mergulhados em descrições da civilização venusiana, das suas cidades, sociedade e tecnologias. Temos vislumbres de outras civilizações para lá do sistema solar. Há ainda um salto a Marte e um pequeno périplo pelo sistema solar, com uma alunagem e uma desventura quase fatal em Júpiter. E, claro, não podia faltar uma história de amor entre o garboso terrestre e uma bela jovem venusiana.
Não sendo de todo uma obra de Hard SF (comecemos por "humanidades estelares"), mostra que está bem inserida nalgumas temáticas da época, explorando ideias comuns à FC, quer a pulp, quer a mais erudita. Encontramos a preocupação perene com os maus caminhos da evolução humana, com a ameaça das armas nucleares e da tecnologia ao serviço da violência como moralmente reprováveis e ameaça à sobrevivência humana. Temos as civilizações evoluídas que nos vigiam, preocupadas, aguardando o momento em que nos mostramos capazes da libertação das pulsões negativas e, com isso, assumir um devido lugar. As descrições das sociedades extraterrestres são representativas das calmas utopias clássicas, civilizações unidas e prósperas, que vivem em equilíbrio com o seu ambiente e desenvolveram tecnologias avançadas que lhes permitiram construir sociedades pós-escassez. Os seus habitantes, pacíficos, vivem em harmonia e dedicados ao progresso científico e cultural. Os seus sistemas políticos baseiam-se na liderança sábia de colégios de anciãos, cuja bonomia dita os destinos das sociedades. Parte da FC clássica vive do entrecruzar destes ideários.
Há uns pormenores curiosos que destaco, claramente saídos do viés cultural do autor. O papel da mulher nas humanidades estelares é recatado e submissivo (cm algumas críticas pouco veladas à liberdade excessiva das mulheres contemporâneas do autor). Talvez o mais curioso, a fazer-me recordar a história sobre a veneração de Vasco da Gama perante divindades hindus que assumiu serem representações locais da virgem Maria, seja a visão de uma religião universal professada por todas as humanidades do espaço, claramente o cristianismo, embora nunca seja referido como tal, com a veneração da figura do salvador. Outra nota recai sobre a ideia de humanidades, Mesquita concebe os seres extraterrestes como essencialmente humanos, embora se atreva a imaginar alguns casos em que a evolução biológica foi forçada a afastar-se do nosso normativo biológico por via das condições planetárias.
Sem ser um grande clássico, este livro é uma boa surpresa, e também boa adição ao meu acervo dos primórdios da Ficção Científica em português. Vale o que vale, não é perfeito e está fortemente datado, mas é dotado de uma candura que seduz.