terça-feira, 18 de março de 2025

Crepúsculo do Império


Pedro Oliveira, João Borges (Coord.) (2024). Crepúsculo do Império : Portugal e as Guerras de Descolonização. Lisboa: Bertrand Editora.

Não é muito fácil, por cá, debater as guerras coloniais de forma isenta. A memória ainda é viva, e as visões políticas interferem com a anáise dos acontecimentos. É indício disso o não haver uma indicação única que desgine este momento da história portuguesa. Para uns, é a guerra colonial, para outros, de libertação, e há os acérrimos defensores da velha ideia de guerra ultramarina. O afastamento ainda não é suficiente para que emoções políticas contaminem o olhar histórico. 

Mas temos de o fazer. Este conflito pesou no Portugal dos anos 60 e 70. Foi um sorvedouro de homens e recursos, causou vítimas e destruição de parte a parte, e terminou com um vazio de poder gerador de guerras civis que se prolongaram no tempo. Foi travado de forma eficaz com poucos meios por forças relutantes, que sabiam a impossibilidade da missão imposta por um governo. O peso moral recai sobre os governantes, o anquilosado e repressivo Estado Novo de Salazar e Caetano sempre recusou aceitar os ventos da história, defendendo ideários impossíveis, e com isso condenando povos e países à guerra. O fim do regime trouxe o fim do conflito, e a desmoralização dos militares, chamados a matar e morrer em África num conflito que sabiam sem fim nem finalidade, foi um dos grandes motivadores do 25 de abril.

Pessoalmente, vejo este conflito, estes anos de guerra (não me tocaram diretamente, o meu pai foi um dos afortunados que, no seu serviço militar, ficou colocado em Lisboa e não foi destacado para a guerra), como um profundo desperdício. Das vidas humanas, civis e militares. De recursos de um país estruturalmente pobre que queimou uma parte significativa da sua riqueza em armamento para sustentar uma luta perdida e imoral.

A riqueza deste livro é enorme, apresentando diferentes perspetivas sobre a guerra, vindas de todos os lados do conflito. Espelha visões factuais, geoestratégicas, sociais e económicas. Tanto nos fala do posicionamento face à NATO na tomada de decisões relativas à guerra como à importância da literatura e outras artes, quer como propaganda dos movimentos de libertação quer como memória dos combatentes. Num capítulo analisamos a economia da industria militar portuguesa, noutro o papel da mulher nos movimentos de libertação. São contributos para um conhecimento profundo de um conflito que nos sangrou (a todos, portugueses e povos colonizados), muito importante para a construção de análises que se saibam afastar dos discursos de veneno ideológico que demasiadas vezes sublinham as discussões sobre a guerra colonial.