Alfred Jarry (2022). Façanhas e Opiniões do Doutor Faustroll, Patafísico. Momo Edições.
Abandonai toda a lógica ao abrir as páginas deste livro, que é um portento linguístico, apetece-me escrever. Mas estaria errado. Todo o livro segue uma lógica de extremo rigor, com o fim único de despertar no leitor as sensações mais inesperada, fazê-lo imaginar as visões mais inverosímeis, visualizar o impensável. Uma das obras maiores do escritor simbolista Alfred Jarry, está na génese direta do surrealismo pela forma como manipula as palavras e o seu significado para desperta visões impensáveis.
Sente-se os estertores do nascer do século XX nesta obra, com o seu afastamento radical do classicismo, a procura de sentido numa cacofonia de significados, a busca por alargar os horizontes da arte e literatura. Apesar de simbolista, este romance é profundamente surreal na sua abordagem narrativa. Não há lógica nas imagens invocadas, não há uma história linear que se articula de forma convencional, mas sim um imparável e complexo jogo de justaposição de significados desconexos que desperam no leitor sensações de estranheza, bizarria e irrealidade. Não segue lógicas nem se resume de forma linear (apesar de se sentir uma rígida lógica na forma como foge à lógica.
Nós, leitores, somos levados como o pobre Panmuphle, esse pobre oficial de justiça que se vê mergulhado nas profundezas irreais do mundo do Dr. Faustroll e dos seus princípios patafísicos. O melhor é deixar-mo-nos levar pela riqueza surreal das palavras.
Diga-se que esta tradução portuguesa deve ter sido deveras desafiante, dada a liberdade com que Jarry manipula as palavras. Esta edição é acompanhada de ilustrações de Luís Henriques, que espelham na perfeição a estética hoje clássica das vanguardas do modernismo da viragem para o século XX. Confesso-me um privilegiado por poder contar na minha biblioteca com o livro #429 desta edição luxuriante.