qntm (2020). There Is No Antimemetics Division.
Não teria dado com este livro se o João Campos não o tivesse mencionado nas escolhas literárias do Fórum Fantástico. E isso seria uma perda, para mim. O ponto de partida é interessante, uma história sobre uma organização de defesa global que se dedica a defender a humanidade de contaminações meméticas. Mas é a execução que o torna brilhante, numa história vertiginosa onde a realidade, a memória e o irreal se entrechocam com violência.
Imaginem serem agentes ao serviço de uma agência secreta onde uma das vossas funções fundamentais é esquecer o que fazem, porque se não o fizerem, caíram em poder das forças de cujas influências têm de defender o mundo. Forças insidiosas, ideias com vida própria que tomam conta da mente humana, crescem como tumores e levam ao colapso das sociedades. Ao longo do livro, é intuído que somos apenas mais uma iteração da civilização humana, recuperada após o apocalipse catastrófico de memes virais destrutivos.
Acompanhamos a luta quase sem esperança contra um desses memes terminais, tão catastrófico que ameaça colapsar a sociedade. Aliás, que colapsa tudo, reduzindo a sociedade normal a uma violência surreal. Os memes têm a propriedade de alterar a percepção humana, levar os afetados a esquecer tudo o que sabem e conhecem, e a reconstruir o mundo pelas lentes deturpadas das novas ideias. E, ciclicamente, há memes tão poderosos que o colapso civilizacional é o único caminho, apesar de todas as medidas de defesa e combate.
Este livro faz um uso brilhante das teorias dos memes, numa história de memórias destruídas, irreais que se solidificam no real, e do combate duro contra um inimigo que altera a mente das suas vítimas, através da percepção e das ideias. A ideia que podemos usar memes com arma não é nova (tecnicamente, tão velha como a humanidade), de que as ideias virais mudam o sentido do mundo. O que este livro traz é o conceito de ideias como entidades apocalípticas, cancros ideários destrutivos que arrasam os seus hospedeiros.