segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Megalopolis

Saí da sala de cinema com a sensação que vi um filme daqueles que fica para a história. É tudo aquilo que dizem dele. Brilhante, pedante, literário, escandaloso, decandente, gritante, sedutor, caótico, desconexo, vulgar, elegante. Oscila entre exercício de estilo e crítica mordaz à contemporaneidade. É visualmente luxuriante. 

Não é um filme para todos. Não é acessível, simplista ou facilitista. Faz lembrar os momentos mais delirantes de Fellini (não me surpreenderia se Satyricon fosse uma das inspirações), e cruza um certo mito americano, de se imaginar como uma segunda Roma, com a decadência neoliberal contemporânea, onde conta o jugo nepotista dos bilionários. Atreve-se a sonhar utopias, enquanto desmonta a crise dos dias de hoje. É (e isso está explícito logo nos primeiros segundos), uma fábula. Mas não uma fábula discreta, o filme berra o seu ideário aos espetadores.

Este filme anda com  uma carreira maldita. Está a ser vendido como uma incursão de Coppola na FC (e, na verdade, é um maravilhoso filme de fantástico, mas não nos moldes tradicionais), o que tem o condão de desagradar a todos. À crítica porque, enfim, FC, essa mácula. Aos fãs de ficção científica, porque depressa são defraudados da expetativa de ver aventuras no espaço com tiroteios e explosões (hey, adoro FC... literária, no cinema a maior parte dos filmes do género são chiclete que nem vale a pena mastigar). Aos fãs de cinema de autor, porque não é a habitual história confortável ou o drama interior do personagem. Aos estúdios, porque não é mais uma variante de IP que requenta o mesmo conteúdo estafado de sempre. 

Eu, adorei. Saí da sala com a cabeça a zunir de ideias.

(Aplausos para a tradução do filme, que conseguiu apanhar subtilezas dos jogos de palavras, como, se não me falha a memória, traduzir "don't be so Emerson" como "não sejas tão transcendentalista").